Frege sobre Kant: uma motivação filosófica do logicismo
Resumen
Em 1882, Frege escreveu a Anton Marty que o seu projeto era provar que as leis fundamentais da aritmética são analíticas no sentido de Kant. A resposta a esta carta foi assinada por Carl Stumpf, que aconselhou Frege a escrever sobre as suas motivações para a criação da linguagem formal que apresentou na sua Begriffsschrift, escrita três anos antes. Os Grundlagen der Arithmetik, que Frege publicou dois anos depois, podem ser vistos como o seu resultado por seguir o conselho de Stumpf. Aí, Frege menciona Kant novamente, tanto enquanto motivação para o seu programa logicista como enquanto um seu opositor. Neste artigo, pretendo compreender esta influência de dois lados de Kant nos propósitos de Frege. Para isso, apresento e discuto excertos dos Grundlagen onde Frege fala sobre Kant. Mostro que, depois de rejeitar a proposta de Kant de que juízos numéricos (como 7+5) são sintéticos a priori, Frege tem uma visão da definição de Kant de analítico de acordo com a qual é possível conhecer objetos que não são percetíveis pelos sentidos ou pela intuição apenas pela razão. É esta visão que está na base da motivação de Frege para o seu programa logicista. De acordo com o programa logicista de Frege, os números são objetos conhecidos exclusivamente pelas suas propriedades, sem ligação com qualquer representação (sensorial ou intuitiva). A visão de Frege permite-nos pensar que Kant poderia ter chegado a este resultado com a sua noção de analítico não fosse o seu compromisso com a noção de conceitos enquanto representações que são os blocos de construção dos pensamentos. Em vez disso, Frege propõe que novos conceitos podem ser descobertos na decomposição de pensamentos e que esta descoberta é uma tarefa para a lógica em exclusivo. Sendo uma tarefa da lógica em exclusivo é precisamente o sentido de analítico de Kant. O que a visão de Frege acrescenta ao analítico de Kant é, então, que pode ser uma fonte de conhecimento.