Elaboração de políticas de informação para a biblioteca governamental: o caso do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil

https://doi.org/10.5209/RIBE.101872; Recibido: 27/03/2025; Revisado:04/05/2025; Aceptado: 09/10/2025

Laís Normando; Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília; lais.normando@gmail.com; https://orcid.org/0009-0003-9808-2955

Aglaia Bastos; Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília; aglaiabastos@gmail.com; https://orcid.org/0009-0000-0345-6394

Elmira Simeão; Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília; elmirasimeao@gmail.com; https://orcid.org/0000-0003-3961-8097

Mônica Peres; Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília; mperes.bsb@gmail.com; https://orcid.org/0000-0002-5268-7065

Thérèse Hofmann; Instituto de Artes da Universidade de Brasília; therese.hofmann@gmail.com; https://orcid.org/0000-0003-4045-2928

Artículos; Revista de Investigación sobre Bibliotecas, Educación y Sociedad; e-ISSN: 3045-5685; Ediciones Complutense; Creative Commons CC BY 4.0

Resumo: O presente artigo discute as políticas de informação a serem implementadas na biblioteca do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), que será reinstalada depois de fechamento abrupto. As políticas de informação são instrumentos importantes na organização, acesso e disseminação do conhecimento, e estratégicas em termos de políticas governamentais. A metodologia utilizada toma como principal referência a literatura da IFLA, a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias, sobre os parâmetros a serem aplicados na elaboração das políticas de informação. As políticas de informação são delineadas a partir da análise da tipologia da biblioteca, nesse caso, uma biblioteca especializada governamental, e são elaboradas em consonância com a missão do Ministério, estabelecendo diretrizes para áreas como acesso a recursos, serviços oferecidos, gestão de acervo, circulação de materiais, formação e desenvolvimento de acervo e preservação digital. O trabalho descreve as atividades iniciais de recuperação do acervo e retomada da biblioteca. Em conclusão, pode-se destacar a importância da elaboração e implementação das políticas de informação como ferramenta essencial para fincar a permanência da biblioteca enquanto alicerce informacional dentro do Ministério, atuando como parceira na gestão documental e nos processos de elaboração de políticas governamentais.

Palavras-chave: Políticas de informação; Bibliotecas governamentais; Gestão informacional.

Development of information policies for the government library: the case of the Ministry of Development and Social Assistance, Family and Fight Against Hunger (MDS) of Brazil

Abstract: This article discusses the information policies to be implemented in the library of the Ministry of Development and Social Assistance, Family and Fight against Hunger (MDS), which will be reinstated after its abrupt closure. Information policies are important tools for organizing, accessing, and disseminating knowledge, and are strategic in terms of government policies. The methodology uses as its main reference the literature of IFLA (the International Federation of Library Associations and Institutions), on the parameters to be applied in developing information policies. Information policies are outlined based on an analysis of the library typology—in this case, a specialized government library—and are developed in line with the Ministry's mission, establishing guidelines for areas such as access to resources, services offered, collection management, circulation of materials, collection creation and development, and digital preservation. The paper describes the initial activities of restoring the collection and reopening the library. In conclusion, we can highlight the importance of developing and implementing information policies as an essential tool to ensure the library's continued existence as an informational foundation within the Ministry, acting as a partner in document management and in government policy development processes.

Keywords: Information Policies; Government Libraries; Information Management.

Sumário: 1. Introdução. 2. Revisão de literatura. 3.  Metodologia. 4. Relato de experiência: resultados e etapas do projeto. 5. Discussão. 6. Limitações e perspectivas futuras. 7. Conclusão. 8. Contribuição de autoria. 9. Referências.

Como citar: Normando, Laís; Bastos, Aglaia; Simeão, Elmira; Peres, Mônica; Hofmann-Gatti, Thérèse. (2025). Elaboração de políticas de informação para a biblioteca governamental: o caso do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil. Revista de Investigación sobre Bibliotecas, Educación y Sociedad, 2, e101872. https://doi.org/10.5209/RIBE.101872

1. Introdução

As bibliotecas especializadas são unidades de informação projetadas para atender aos requisitos de informações de usuárias e usuários de determinadas organizações e, portanto, dependem de uma coleção de livros sobre temas específicos (Souza e Oliveira, 2017).

As bibliotecas especializadas podem estar localizadas em diferentes organizações como, por exemplo, indústrias diversas, agências de governo (ministérios, autarquias, empresas semi-estatais), associações de comércio, instituições acadêmicas com coleções específicas, hospitais, dentre outros (Figueiredo, 1979).

Desta forma, entende-se que a biblioteca do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) está inserida como biblioteca especializada dentro do contexto da administração pública, logo, é uma biblioteca governamental.

As bibliotecas governamentais são fundamentais para a preservação da memória institucional, uma vez que guardam o conhecimento produzido por diversas instituições da administração pública em diferentes períodos históricos.

São bibliotecas projetadas para facilitar o acesso a dados como relatórios, publicações oficiais, análises estatísticas, pesquisas e outros documentos relevantes a administração pública que viabilizam uma governança eficiente, além de promoverem a transparência institucional ao disponibilizarem informações para pessoas servidoras, pesquisadoras e, em alguns casos, para o público em geral, facilitado pela Lei de Acesso à Informação (LAI). Esta Lei regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas e apresenta formas que possibilitam a qualquer pessoa solicitar, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades, salvo exceções previstas em lei (Brasil, 2011).

Segundo a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA), além de contribuir no cumprimento das metas institucionais de cada órgão, as bibliotecas governamentais também podem exercer função de apoio às funções da instituição a qual pertencem, atuando na concepção de programas e políticas públicas, ações administrativas e na consultoria em pesquisas (Bolt e Burge, 2011).

O presente artigo objetiva discutir e estruturar as políticas de informação que serão implementadas na biblioteca do MDS, propondo uma base teórica e prática para a elaboração de políticas, utilizando como principal referência o documento publicado pela IFLA intitulado Directrices para bibliotecas gubernamentales (Bolt e Burge, 2011).

2. Revisão de literatura

As bibliotecas especializadas são unidades informacionais que têm como direcionamento a reunião sistemática de material relacionado a temas específicos e que pretende dar acesso a pessoas usuárias de determinadas organizações de modo a facilitar estudos e pesquisas sobre um assunto (Souza e Oliveira, 2017).

Uma das características das bibliotecas especializadas é que possuem uma variação de acervo muito ampla, com documentos não convencionais, o que exige das pessoas profissionais da biblioteconomia maior habilidade e conhecimento para recuperar informações e fazer o processo técnico desses materiais. Além disso, suas pessoas usuárias possuem um nível de exigência mais elevado, com demandas complexas (Miranda, 2007).

As bibliotecas especializadas diferenciam-se dos outros modelos de biblioteca especialmente pela sua delimitação de assuntos e temas de interesse, sendo norteadas pelos objetivos e missão das instituições às quais estão inseridas (Figueiredo, 1979).

Entende-se, então, que as bibliotecas especializadas possuem um nível de especificação maior que outras bibliotecas. No caso de uma biblioteca especializada inserida dentro de um ministério, como é o caso do MDS, a biblioteca terá seu foco em coletar, organizar e disponibilizar informações e recursos que suportem as políticas, pesquisas e atividades dessa instituição, com temáticas específicas como, segurança alimentar, Cadastro Único, economia solidária, exploração do trabalho infantil, dentre outros.

A especialização do acervo e dos serviços permite que as bibliotecas possam fornecer suporte informacional específico para as necessidades de pessoas usuárias, tornando-se uma ferramenta estratégica para alcançar os objetivos da organização.

As principais características e funções das bibliotecas especializadas são: a) fornecimento de informação eficiente, para áreas específicas do conhecimento; b) nível de exigência superior por parte das pessoas usuárias; c) profissionais de bibliotecas devem possuir habilidades de pesquisa e conhecimento sobre as áreas temáticas do acervo; d) acesso a bases de dados especializadas; e) acervo composto de diferentes formatos e materiais; f) cooperação e dependência com outras bibliotecas da mesma especialidade, dentre outros (Miranda, 2007).

No caso das bibliotecas governamentais, são aquelas que estão incorporadas a organismos de governo. Cunha e Cavalcanti (2008, p. 51) definem a biblioteca governamental como aquela que “engloba vários tipos de bibliotecas vinculadas a um organismo governamental de um dos 3 níveis de governo (federal, estadual ou municipal)”.

As bibliotecas governamentais atuam lado a lado com o cumprimento das metas de governo, sendo peça importante para contribuir e auxiliar no desenvolvimento das tarefas da agenda pública, de acordo com cada órgão a qual estão submetidas.

A IFLA exemplifica as tipologias de bibliotecas governamentais em: a) Legislativas - presentes em órgãos que elaboram as leis como, as parlamentares; b) Executivas - presentes em órgãos encarregados de implementar as leis como, os ministérios e c) Judiciárias - presentes em órgãos que garantem a conformidade das leis como, os tribunais de justiça (Bolt e Burge, 2011).

As bibliotecas governamentais exercem um papel de grande relevância, principalmente quando insere-se o contexto da sociedade da informação, pois servem como intermediárias essenciais entre o vasto universo de dados, ao tratamento adequado da informação e trabalho conjunto para formulação de políticas públicas, uma vez as bibliotecas promovem a transparência e a responsabilidade no setor público fomentando a tomada de decisão e acesso a informações atualizadas.

A sociedade da informação é um conceito que despontou, especialmente, após o período da Segunda Guerra Mundial, impulsionado pelo rápido avanço das tecnologias da informação e comunicação (TICs) e que influenciou o desenvolvimento de políticas nacionais de informação, com foco e objetivos elaborados de acordo com as circunstâncias de cada país e abordagem de cada governo (Arnold, 2004).

Segundo Miranda (2000), a sociedade da informação é aquela que, de modo progressivo, passa a viver em rede, onde a comunicação e a informação passam a permear as atividades e processos decisórios em diversas esferas da sociedade como, os governos federal, estaduais e municipais, a cultura, as artes, a ciência e tecnologia, a educação, a saúde e a indústria, sendo permeados por uma maior penetrabilidade das TICs.

Assim, na sociedade da informação, a produção, a distribuição e o uso da informação tornam-se centrais para o desenvolvimento econômico, social e cultural. Essa nova configuração social transforma profundamente as dinâmicas de trabalho, educação, governança e interação humana, promovendo maior conectividade e acesso a vastos recursos informacionais. Conforme afirma Marciano:

Tal sociedade [da informação] está associada a uma economia em que a informação está no centro de suas necessidades econômicas, e na qual ambas, economia e sociedade, crescem e se desenvolvem em função da produção e do uso de valores informacionais, e onde a importância da informação como produto econômico excede a de bens, energia e serviços, modificando a própria estrutura da urbe e dos relacionamentos e serviços oferecidos no convívio urbano (Marciano, 2006, p.43).

Vale destacar que, o volume informacional não é produzido, tampouco acessado igualitariamente por todos os países, se tornando um ponto chave de destaque a informação enquanto ferramenta para inclusão social e participação ampla da sociedade, principalmente no contexto dos países em desenvolvimento.

Arnold (2004) aponta alguns fatores e tendências que podem ser observados em diferentes países do mundo enquanto sociedades da informação em processos de desenvolvimento econômico:

  1. As informações são publicadas e distribuídas como um produto econômico e colocado à disposição da sociedade, em diferentes formatos, canais e materiais.

  2. A informação desempenha um papel como recurso nacional e, se gerenciada de forma otimizada, pode significativamente beneficiar um país no seu crescimento socioeconômico e no seu funcionamento democrático, desde que esteja disponível e acessível a todas as pessoas.

  3. A informação influencia a situação social dos países em crescimento econômico da mesma forma que outros bens industriais ou serviços. No entanto, a informação tem uma propriedade única no sentido que o seu valor real e o seu valor futuro não podem ser previstos, podendo ser modificado com o tempo. A gestão, proteção e valorização da informação não devem ser executados como outros bens de produção ou de consumo. A autora exemplifica como uma das incertezas do valor da informação é que ela frequentemente é subestimada e subvalorizada por quem exerce funções de gestão, muitas vezes vista como contribuidora no aumento dos custos.

  4. Os governos precisam tomar conhecimento das propriedades únicas da informação, como sua potencial aplicação em atividades sociais e desenvolvimento econômico, assim, devem apoiar e dar seguimento a elaboração de políticas e financiamentos para pesquisa e desenvolvimento.

  5. As pessoas nas sociedades da informação tendem a ter melhor acesso a mais informações. As principais razões para isso devem-se a infra-estruturas e sistemas de telecomunicações mais desenvolvidos.

A produção e consumo de dados na sociedade da informação são elementares para a dinâmica social, econômica e política. Ao mesmo tempo em que as TICs influenciam o amplo acesso e a disseminação de dados, torna-se evidente a necessidade de elaborar estruturas regulatórias e organizacionais que garantam a qualidade, acessibilidade e segurança das informações. Por esta razão, a criação de políticas de informação em unidades de informação oferece medidas fundamentais para estruturar o conhecimento produzido, estabelecendo diretrizes para a coleta, armazenamento, preservação e disseminação da informação.

Pode-se afirmar, então, que as políticas de informação são diretrizes vitais para dar suporte às atividades de gestão documental e para a contribuição no processo de elaboração de políticas públicas, especialmente no contexto de uma biblioteca governamental como a biblioteca do MDS.

Dentro desta perspectiva, a elaboração de políticas públicas de informação em países em desenvolvimento, conforme afirma Marciano (2006) atuam diretamente na inclusão de pessoas enquanto usuárias da informação, tornando-as provedoras habilitadas das novas mídias. O autor afirma que a informação, então, passa a assumir um papel de recurso de altíssimo valor.

As políticas de informação garantem que a biblioteca do MDS opere de maneira alinhada com a missão do ministério, fornecendo uma base informacional sólida para a tomada de decisões e atuando como ferramenta de auxílio na implementação de programas sociais.

A IFLA (com adaptações) sugere como princípios gerais de gestão de bibliotecas governamentais os seguintes parâmetros (Bolt e Burge, 2011):

  1. Plano da biblioteca. Elaboração de um planejamento geral, de acordo com a visão, missão e planos estratégicos da instituição, onde deve-se ter: (1) uma visão clara da situação atual da biblioteca; (2) uma visão clara do que se pretende alcançar em até 3 anos e, (3) outro plano detalhado com a descrição de como se dará a elaboração de cada situação que foi planejada para aquela biblioteca. Todas as etapas anteriores juntamente com a elaboração de relatórios e análises estatísticas para melhoria e avaliação dos serviços, visando a eficácia dos serviços bibliotecários.

  2. Estudo de pessoas usuárias. Considera-se que atender as necessidades das pessoas usuárias é fundamental para consolidar alianças e fortalecer a própria existência da biblioteca dentro dos órgãos, uma vez que quanto maior interesse do público, maior a prioridade e uso da biblioteca. A avaliação das necessidades de pessoas usuárias deve ser periódica e sistemática.

  3. Desenvolvimento de coleção. É um processo contínuo que requer atenção especial da equipe que irá desenvolver essa função, para obter uma coleção cada vez mais equilibrada e atualizada, sempre baseando-se nos temas de interesse da instituição e de seu público.

  4. Organização e acesso da coleção. Envolve habilidades de gestão e organização da informação, bem como, a identificação, indexação, catalogação e etiquetagem dos materiais. Além disso, engloba aspectos da gestão documental por meio de uma base de dados, que irá viabilizar o acesso ao acervo. Ainda que os serviços online sejam oferecidos, é importante obter o equilíbrio entre o acesso digital e o acesso ao acervo físico.

  5. Política de preservação (metadados e acesso). Independente do tipo de método aplicado, é imprescindível que toda informação produzida pelo governo seja preservada, tanto em meio físico quanto digital. Caso a biblioteca decida preservar documentos de forma eletrônica, é importante investir em medidas de segurança e elaborar maneiras de tornar a informação acessível, uma dessas formas é a utilização de metadados, que quando preenchidos corretamente, são ferramentas poderosas na recuperação da informação, além de propiciar a interoperabilidade dos dados.

  6. Promoção e disseminação da informação. Enfatiza-se a importância de investimento em políticas nacionais de informação, de modo a criar uma cultura de preservação e divulgação de documentos produzidos pelo governo. As bibliotecas exercem um papel importante nessa missão, sendo instituições que devem fomentar acesso gratuito, público e permanente à informação governamental.

  7. Cooperação entre bibliotecas. Uma vez que nenhuma biblioteca sozinha pode fornecer todos os serviços que são necessários, as atividades de cooperação entre bibliotecas tornaram-se essenciais para trabalhar de forma eficiente, adaptar-se rapidamente às mudanças e fornecer às organizações governamentais as informações necessárias. As ações de cooperação podem concentrar-se em: catalogação compartilhada (catálogos coletivos), grupos de trabalho sobre temas ou projetos específicos, criação e gerenciamento de mailing lists e blogs, obtenção de descontos coletivos para assinatura de revistas eletrônicas e livros, serviço de fotocópia e empréstimo entre bibliotecas, dentre outros.

  8. Marketing e relações públicas. O marketing pode ser de extrema importância, especialmente quando os recursos financeiros são escassos. Deve-se compreender que a biblioteca não é simplesmente uma coleção de livros, mas um conjunto completo de serviços de informação. Investir em medidas de comunicação pode ser uma forma de atribuir mais valor às bibliotecas, uma vez que por meio das ferramentas de marketing podem ser elaboradas atividades que divulguem e convidem o público para a biblioteca.

3. Metodologia

A elaboração de políticas informacionais, especialmente em um contexto governamental, envolveu uma metodologia qualitativa. Essa abordagem permite compreender o contexto das necessidades de pessoas usuárias e as melhores práticas da gestão informacional para a biblioteca do ministério.

A pesquisa deu início a partir da revisão de literatura existente sobre políticas informacionais, aplicadas a bibliotecas governamentais. Isso incluiu a análise de estudos acadêmicos, relatórios de organizações, aqui utilizando as diretrizes apresentadas no documento da IFLA para bibliotecas governamentais e políticas implementadas em outras instituições similares. A análise dos documentos consistiu em avaliar o contexto e identificar as necessidades informacionais e as estruturas que poderiam ser utilizadas no âmbito do MDS.

De modo a identificar as necessidades de informação e oportunidades de aplicação de serviços da biblioteca, pela equipe da SAGICAD/MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, 2025), por meio de questionário aplicado a pessoas servidoras de diferentes setores do ministério, averiguando as necessidades e aspectos considerados relevantes pelas pessoas usuárias potenciais dos serviços da biblioteca. Este questionário abordou temas como hábitos de uso da informação, instalações, perspectivas e referentes ao acervo físico e digital. A partir dos dados coletados revelou quais parâmetros deveriam ser seguidos na elaboração das políticas.

As autoras do presente artigo não participaram da construção nem da aplicação do instrumento, tendo acesso aos dados já consolidados em agrupamentos temáticos citados acima. Ainda assim, os resultados foram utilizados para embasar decisões relativas ao espaço físico da biblioteca, à priorização de serviços e às atividades oferecidas.

Foram estabelecidas quais seriam as políticas de gestão aplicadas ao contexto do MDS, a princípio foi desenvolvida a política de catalogação, juntamente do manual de catalogação, uma política de acervamento (seleção, desbaste e doação) e um plano de comunicação da informação (planejamento de marketing). Vale destacar que, as políticas ainda estão passando por ajustes e conforme as necessidades serão reformuladas em busca de atender as demandas das pessoas usuárias.

4. Relato de experiência: resultados e etapas do projeto

Esta seção descreve as atividades desenvolvidas na recuperação do acervo físico e o início do processamento técnico na biblioteca do MDS, com o objetivo de recuperar, preservar e organizar os materiais bibliográficos resgatados do acervo.

Para fins de contextualização, a biblioteca do MDS encontrava-se fechada desde 2018, o seu desmonte resultou em um cenário de grande desorganização e perda significativa de seu acervo.

Durante o período em que esteve fechada, muitos materiais foram descartados indiscriminadamente, comprometendo a sua integridade e sua preservação. No entanto, uma parte do acervo foi salva graças aos esforços de algumas pessoas servidoras comprometidas, que se empenharam em resgatar e preservar o que puderam, evitando uma perda ainda maior.

Em 2023, a equipe participou de oficinas oferecidas por uma das entidades apoiadoras do projeto, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), que envolveram diferentes equipes de trabalho para pensar nos processos de implantação da biblioteca do MDS. As atividades e dinâmicas realizadas em grupo visavam elaborar um planejamento do que se desejava alcançar para a futura biblioteca do ministério, baseando-se também no que foi coletado em pesquisa com suas pessoas usuárias, elaborada previamente pela SAGICAD.

Diante do que foi elaborado nessas atividades, foi possível construir mapas de ideias e sugestões de projetos a serem executados como, por exemplo: a) necessidade de um espaço com ambiente instigante, acolhedor e que propicie a socialização; b) espaço multiuso (estudo, trabalho, interação, estúdio de podcast); c) espaço de conexão entre arte e conhecimento; d) calendário cultural; e) calendário de formação; f) a definição do seu nome: Inovateca. Essas demandas estão sistematizadas no Quadro 1, a partir das respostas ao questionário aplicado para as pessoas servidoras do MDS.

Quadro 1. Compilação de respostas do questionário aplicado

Espaço físico
  • Espaço bem estruturado.
  • Estrutura para computadores.
  • Local para estudos.
  • Espaço alegre, colorido e bem decorado.
  • Espaço de trabalho colaborativo (coworking).
  • Espaço para oficinas.
  • Inovação.
  • Gravação de vídeos e podcasts.
  • Salas de projeção.
Acervo
  • Temáticas do MDS - normas, materiais informativos, áreas de competência, história do ministério, programas e políticas do ministério, materiais institucionais sobre Cadastro Único e Bolsa Família, estudos e pesquisas, memória institucional, atos oficiais e outros.
  • Multidisciplinar.
  • Literatura.
  • Bases de dados nacionais e internacionais.
  • Atualizado.
  • Fotos e vídeos.
  • Materiais de estudo para concursos.
Serviços
  • Assessoria para as pesquisas.
  • Referência.
  • Autoatendimento.
  • Empréstimo de livros físicos e digitais.
  • Horário de funcionamento amplo.
  • Divulgação de novas aquisições.
  • Minicursos: Excel, mala direta, etc.
  • Livraria.
  • Parceria com escolas.
  • Encontros de leitura.
Equipamentos
  • Computadores.
  • Tomadas e pontos de rede.
  • Serviço pago de impressão.
  • Tablet para leituras.
  • Wifi.
  • Impressora.
  • Máquina de café.
Mobiliário
  • Puffs.
  • Mesas e cadeiras ergonômicas.
  • Projetores.
  • Mobiliário colorido.

Nota. Adaptado com base no Relatório das oficinas de reformulação da biblioteca do MDS executadas pela Enap (2024).

Assim, o projeto deu início de maneira presencial na sala que foi designada para a biblioteca localizada no subsolo do prédio do ministério. A equipe começou com a atividade de identificação e análise dos materiais disponíveis e suas atuais condições, a inspeção visual detalhada dos itens do acervo permitiu a categorização dos tipos e do estado físico do acervo, com isso foi sendo realizada a retirada dos materiais das caixas e alocamento nas estantes.

Após a primeira organização, identificamos as temáticas relevantes aos interesses do MDS, sendo elaborada uma taxonomia de modo a facilitar a indexação e recuperação dos materiais a serem catalogados. Com a utilização de um vocabulário controlado espera-se que as pessoas usuárias possam ter mais autonomia e facilidade, permitindo uma busca mais precisa e eficiente.

Na fase de catalogação e classificação, foram realizados procedimentos utilizando como referência a Anglo-American Cataloguing Rules (AACR2) e na Classificação Decimal Universal (CDU), descritas na política de catalogação, juntamente com o manual elaborado pela equipe que orienta a inserção documental no sistema adotado pela biblioteca.

A catalogação envolveu a detalhada descrição bibliográfica no sistema de gestão, permitindo uma identificação clara e objetiva dos itens presentes no catálogo. A classificação foi conduzida seguindo a CDU, onde observou-se que a biblioteca do MDS tem grande parte do seu acervo voltado para a classe 3, expondo o grande interesse nas áreas sociais, principais temáticas trabalhadas no ministério. Essa definição também poderá possibilitar um maior investimento em atividades em torno dessas temáticas, como o desenvolvimento de oficinas, palestras e divulgação de obras relacionadas.

A biblioteca do MDS adotou como ferramenta o Sistema Integrado de Gestão de Biblioteca Koha, que permite o controle e acesso ao acervo. O sistema foi escolhido pela equipe pela possibilidade de acesso remoto ao catálogo e gestão facilitada. Além disso, trata-se do “software livre para gestão de bibliotecas mais utilizado no mundo e implantado em milhares de bibliotecas de todos os continentes. [...] Desde o seu lançamento, em janeiro de 2000, tem se tornado uma opção viável para automatizar bibliotecas sem o pagamento de licenças” (Ibict, 2023, par. 1).

A organização informacional elaborada pela biblioteca do MDS é de suma importância para o desenvolvimento de políticas públicas. O processamento técnico, assegura que a informação seja facilmente acessível e recuperável. Assim, é possível acessar dados, estudos e pesquisas relevantes de maneira ordenada e precisa, facilitada pela indexação de termos.

Por meio da utilização do Koha, possibilita-se o acesso remoto ao acervo da biblioteca do MDS de modo que as pessoas usuárias consigam visualizar e pesquisar pelas obras que desejam, a interoperabilidade entre sistemas variados e, especialmente, a gestão do acervo pela equipe da biblioteca.

A acessibilidade, portanto, é indispensável para a elaboração contínua e ágil de políticas públicas, favorecendo a pesquisa e produção de estudos, principalmente relacionadas às áreas temáticas sociais identificadas dentro do acervo. Além disso, a organização informacional e a aplicação das políticas de gestão da biblioteca facilitam a colaboração entre diferentes departamentos e equipes do ministério, enriquecendo a base de conhecimento.

Para a reestruturação da biblioteca do MDS, a equipe seguiu um conjunto de etapas metodologicamente definidas para a execução das atividades (Quadro 2). Sendo elas:

Quadro 2. Etapas de trabalho que foram executadas no projeto da Biblioteca do MDS

Etapas de trabalho Descrição
Etapa 1 - Planejamento inicial
  • Reuniões para apresentação do projeto e das equipes responsáveis pelas ações.
  • Atividades com a equipe UnB e do MDS facilitadas pela Enap, de modo a compreender melhor o que se deseja realizar na biblioteca.
  • Oficinas de treinamento em CDU e Koha.
Etapa 2 - Elaboração de relatórios (contínua)
  • Relatórios de acompanhamento dos planos de trabalho e com a atualização das demandas e etapas de atividades.
Etapa 3 - Identificação e análise dos materiais
  • Verificação do acervo que havia disponível na biblioteca.
  • Muitos materiais estavam em caixas armazenadas no subsolo e outros materiais foram recebidos por parte de profissionais do serviço público.
  • Separação dos materiais que serão doados.
Etapa 4 - Taxonomia
  • Início da elaboração de uma taxonomia para o MDS. A busca pelos termos se deu a partir das publicações online do ministério e a partir da análise do acervo existente.
  • A partir da determinação dos termos, pode-se filtrar objetivamente as obras que ficariam no acervo e as obras que seriam doadas.
Etapa 5 - Escolha e implementação do sistema gerenciador de acervo físico e digital
  • Acesso remoto do acervo.
  • Interoperabilidade.
  • Facilidade de gestão.
  • Sistema de código aberto.
Etapa 6 - Catalogação
  • Política de Acervamento.
  • Manual do Koha para a biblioteca do MDS com o passo a passo de como preencher os campos do MARC 21 que vão ser utilizados.
  • Recadastramento dos materiais já catalogados.

5. Discussão

A reestruturação da biblioteca do MDS exemplifica os desafios enfrentados por bibliotecas governamentais que buscam retomar sua atuação institucional após períodos de fechamento ou desmonte. A literatura revisada (Marciano, 2006; Miranda, 2007; Bolt e Burge, 2011) ressalta a relevância das políticas de informação como ferramentas estratégicas para a conservação da memória e a melhoria dos serviços da administração pública.

Em um primeiro momento, o principal desafio foi o de superar a quantidade de materiais que foram encontrados em caixas mal acondicionadas, as condições de trabalho precarizadas pelo tamanho da sala e a quantidade de poeira. A equipe realizou a limpeza e a separação das obras, que aconteceram em diferentes etapas. Posteriormente, já no espaço novo e com a maior parte do acervo processado, um dos principais aprendizados foi a necessidade de alinhar os serviços às expectativas do ministério. Vale destacar que, o novo local da biblioteca propiciou o contato aproximado e a observação direta no atendimento ao público, tornou-se oportuno para a continuidade dos trabalhos de estudo sobre o perfil das pessoas usuárias.

A utilização do sistema Koha como ferramenta de gestão de acervo da biblioteca, se justifica não somente por ser uma ferramenta de código aberto, mas favorável à interoperabilidade, fácil utilização e acesso remoto do catálogo. Conforme as recomendações de Arnold (2004), esta escolha pode servir de modelo para adoção do Koha em bibliotecas com restrições orçamentárias.

O projeto também enfrentou limitações, como a ausência de dados recuperáveis sobre o acervo original e o fato de os dados empíricos (por exemplo, o questionário aplicado antes da equipe começar os trabalhos), utilizados não terem sido gerados diretamente pela equipe do projeto. Recomenda-se, portanto, para futuras etapas do projeto ou para pesquisas correlatas, a aplicação de questionários aos servidores e servidoras do ministério, de forma a atualizar o diagnóstico e aprofundar o conhecimento sobre as exigências e expectativas das pessoas usuárias da biblioteca.

6. Limitações e perspectivas futuras

O processo de elaboração das políticas de informação para a biblioteca do MDS foi marcado por avanços significativos, considerando que a biblioteca foi reaberta no período de um ano de atuação do projeto, contudo também lidou com limitações inerentes ao contexto institucional em que o projeto se desenvolveu.

Conforme mencionado em seções anteriores, a equipe atuou com base em dados secundários, o que impossibilitou maior controle sobre aprofundamento qualitativo dos dados obtidos nos questionários.

Outro fator preponderante foi a perda parcial do acervo original e a ausência de registros sistematizados de funcionamento anterior da biblioteca, que dificultaram a execução de tarefas simples do cotidiano como, por exemplo, a conferência de obras patrimoniadas, o retrabalho e tempo apreendido pelas atividades.

Apesar das limitações citadas, destaca-se que o projeto foi estruturado para atender a uma demanda estratégica da SAGICAD: a consolidação da biblioteca como um espaço de inovação. Embora essa proposta ainda não tenha sido plenamente implementada, principalmente em razão de limitações de tempo, ela orienta conceitualmente as etapas de planejamento da estrutura física, os serviços desejados e o perfil institucional da biblioteca juntamente com as secretarias que fazem parte do MDS.

A ideia é criar um espaço dinâmico, colaborativo e capaz de exercer diferentes funções, atendendo de forma integradora às demandas temáticas do ministério. Vale ressaltar que a conceituação de ambiente de inovação aplicado a bibliotecas é ampla e complexa, o que exige maior aprofundamento teórico em etapas posteriores.

No que diz respeito às próximas etapas do projeto, recomenda-se nova aplicação de questionários voltados às pessoas usuárias, desta vez como ferramenta apreendida pela biblioteca, de maneira a conseguir elaborar um mapeamento das necessidades e expectativas do público. Em decorrência, espera-se também a conclusão do plano de comunicação, que será beneficiado pelo estudo das pessoas usuárias.

Além disso, recomenda-se investir em atividades de avaliação e monitoramento das políticas implementadas, bem como ampliar investimentos em preservação digital (como um repositório institucional) e estabelecer parcerias com outras bibliotecas, especialmente no âmbito do governo.

7. Conclusão

As bibliotecas governamentais são fundamentais para as organizações públicas, fornecendo apoio à gestão documental e aos processos de formulação de políticas do governo. Por essa razão, é importante que estas bibliotecas se tornem cada vez mais relevantes aos olhos da gestão e das pessoas usuárias. Isso se dará por meio de diversas estratégias como, a adaptação contínua às mudanças tecnológicas e às necessidades do público, um acervo adequado e atualizado acessível fisicamente e digitalmente, juntamente com o trabalho cooperativo entre bibliotecas deste tipo. Outro ponto importante é o trabalho das pessoas profissionais da biblioteconomia em defender ativamente a importância dessas bibliotecas junto à gestão, a fim de garantir apoio e recursos contínuos.

Destaca-se que, apesar do progresso já executado na recuperação do acervo e na introdução das novas políticas de informação para a biblioteca do MDS, o projeto ainda está em andamento. As próximas etapas continuarão concentradas na instalação de um ambiente de biblioteca organizado, renovado e atraente para o público, além da adaptação das políticas às necessidades informacionais das pessoas usuárias e na avaliação contínua dos resultados, de modo a fortalecer a biblioteca para garantir que continue a ser recurso estratégico e duradouro dentro do ministério.

A expectativa é de que a consolidação das políticas propostas fortaleça a biblioteca como um espaço cada vez mais integrado às atividades e às pessoas que atuam no ministério. Pode-se dizer que a principal contribuição do presente artigo está na sistematização de uma metodologia prática e passível de adaptação para a aplicação em outras bibliotecas.

8. Contribuição de autoria

9. Referências