ISSN: 2255-3827 • e-ISSN: 2255-3827
RESEÑAS
Quando se fala de filosofia, devese também falar da antropologia, ética e de política, a fim de garantirse, de melhor forma, a autorrealização da pessoa humana e o desenvolvimento das sociedades, que, por sua vez, condicionam igualmente o florescimento das gerações vindouras e assim sucessivamente. Um ponto que faz referência e se relaciona com estas temáticas é sem dúvida o regime totalitário; ou seja, o que está na base de um governo totalitário; qual é a sua relação com o (s) seu (s) líder (es) e com as pessoas humanas que se submetem a ele; como ele se propaga, anula, ‘absorve’ e destrói, de diferentes formas, as pessoas humanas, bem como as outras sociedades (e os seus cidadãos) e as gerações vindouras; como se pode prevenir e evitar a implementação de regimes totalitários e como se deve reagir e atuar diante de eles.
Nesta linha, considero muito pertinente a obra supracitada de Boris Cyrulnik renomado psiquiatra e neurólogo, que também se dedica ao estudo e à investigação sobre questões filosóficas, sociológicas, de educação, política, educação e desenvolvimento humano que procura descrever, analisar e interpretar so bretudo os pontos mencionados anteriormente. Para atingir este objetivo, o autor decidiu dividir esta sua obra em 33 pequenos capítulos, intitulados respetivamente de1: 1. Prepare as crianças para a guerra; 2. Amar um Desgraçado; 3. Contar o impossível; 4. Cair no vitimismo ou dar sentido ao infortúnio; 5. Aprender a ver o mundo; 6. Explorar o mundo ou hierarquizálo; 7. Afrontar; 8. Clareza abusiva; 9. Pensar por si mesmo; 10. Amar para pensar; 11. Delirar de acordo com a cultura; 12. Acreditar no mundo que inventamos; 13. Colorir o mundo que percebemos; 14. Dar forma verbal à realidade e ao que sentimos; 15. Falar para esconder a realidade; 16. Submeterse para se libertar; 17. Organizar o mundo externo para estruturar o mundo interno; 18. Envolverse em sexo e morte; 19. Delirar, todos juntos; 20. Alienação abençoada; 21. A Onipotência do conformismo; 22. Imitar é estar com; 23. Epidemias e nuvens de crenças; 24. Ser arrastado para um crime em massa; 25. Publicar aquilo em que se deseja acreditar; 26. Duvidar para evoluir; 27. Escola e valores morais; 28. Escolhendo os nossos pensamentos; 29. Apego e motivos; 30. Anomia afetiva e verbal; 31. Submeterse à autoridade; 32. Congelamento afetivo; 33. Liberdade interior.
Dos vários pontos positivos que se podem encontrar na obra, gostaria de mencionar os seguintes. Com relação à metodologia, propriamente falando, destacase, portanto, o facto de Boris Cyrulnik ter dividido a sua obra em pequenos capítulos, que tornam a leitura mais fluída e a sua compreensão mais fácil. Ao mes mo tempo, considero que existe uma sucessão lógica e pertinente entre todos os eles. Todavia com relação à metodologia, considero igualmente positivo que o autor tenha usado uma linguagem simples e clara na exposição das suas ideias e dos seus argumentos (mesmo diante daqueles mais densos e significativos, e que, normalmente, requerem um outro tipo de linguagem), algo que facilita da mesma forma as suas inter pretações, análises e compreensões.
Finalmente, do ponto de vista metodológico, considerase também interessante na obra que Boris Cyrul nik tenha também recorrido a várias áreas do saber, a fim de expor, fundamentar e corroborar as suas ideias filosóficas (sobretudo antropológicaséticaspolíticas), particularmente à sociologia, à educação, à psicolo gia, à neurociência, à história, à biologia e à psiquiatria. Neste sentido, destacase também positivamente que o autor tenha recorrido a vários autores (inclusive de várias áreas do saber), a vários exemplos, dados estatísticos e testemunhos inclusive da sua própria vida, que são na realidade muito credíveis e informativos face aos temas abordados.
Já com relação aos objetivos, considerase particularmente interessante e fundamental na obra que Bo ris Cyrulnik tenha mostrado de vários pontos de vista: a) como se implementa um regime totalitário na nossa sociedade; b) quem tipicamente são seus líderes e os seus potenciais seguidores; c) como as pessoas ade rem às suas ideias (muitas vezes cegamente), incrementandoas e promovendoas à posteriori; d) qual é o impacto negativo, em vários sentidos, para as pessoas humanas e para as outras sociedades e o mundo em geral; e) como se pode e se deve reagir para ‘fazer frente’ a tais situações.
Para afrontar, interpretar, explicar e responder a tais ideias filosóficasantropológicaspolíticas agora com relação ao conteúdo da obra considerase fundamental sobretudo os seguintes pontos. O primeiro, consiste no facto de Boris Cyrulnik ter analisado a pessoa humana em várias das suas etapas, ou seja, desde o nascimento até à velhice, passando pela adolescência e a fase adulta.
Em seguida, destacase também na obra que o autor tenha distinguido e relacionado a mente e o corpo. Neste sentido, com relação ao corpo, considerase igualmente interessante que o autor tenha sobretudo analisado o sistema nervoso e assim mostrado de que formas ele condiciona a mente e viceversa. Suces sivamente, destacase também na obra que o autor tenha interpretado, analisado e relacionado na pessoa humana o seu mundo interior e exterior.
Com relação ao mundo interior da pessoa humana, considerase, portanto, importante na obra que Boris Cyrulnik tenha distinguido e relacionado o intelecto, a vontade e a afetividade, entidades que frequentemen te se confundem entre si, apesar de poderem e deverem ‘dialogar’ entre si. Nesta linha, considerase tam bém fundamental na obra que o autor tenha igualmente estendido essa distinção e relação aos sentidos externos e internos, particularmente à memória e à imaginação. Assim, é face sobretudo à linguagem, onde toda esta relação mostra a sua maior importância.
No que diz respeito ao intelecto, mais concretamente, foi sobretudo importante que o autor tenha traçado e analisado uma parte do mapa gnosiológico da pessoa humana. Já no que diz respeito à vontade, conside rase igualmente fundamental que o autor tenha distinguido basicamente dois tipos de liberdade na pessoa humana: a liberdade interior e a liberdade exterior. Nesta linha, salientase também a relação que Boris Cyrulnik estabeleceu entre elas, mostrando, assim, de que forma as podemos ganhar ou perder. Finalmente, no que diz respeito à afetividade, mencionase como ponto positivo o facto de o autor ter identificado, distinguido, analisado e relacionado alguns tipos de afeto que se podem encontrar na pessoa humana.
Todavia como relação ao mundo interior, considero igualmente fundamental na obra que Boris Cyrulnik tenha alargado as relações precedentes com o bom e o mau desenvolvimento da pessoa humana e as en fermidades, que daí podem advir, mostrando de que forma elas condicionam a autorrealização da pessoa humana e das pessoas com quem convivemos, bem como da sociedade e das gerações vindouras. Portanto, a obra também prima pelo facto de o autor ter relacionado a pessoa humana com a sociedade e vicever sa, mostrando as várias formas de como elas se coimplicam, positiva e negativamente.
Assim, todavia, no que diz respeito ao mundo exterior da pessoa humana, e como elas se condicionam entre si, salientase também como ponto positivo da obra que Boris Cyrulnik tenha mostrado como, sobre tudo, a família, os educadores, os amigos e as pessoas com quem ela convive, interferem no seu desenvol vimento e personalidade. Do mesmo modo, nesta linha, considerase também como ponto positivo que o autor tenha estabelecido uma relação entre a pessoa humana e o grupo ao qual pertence. Sucessivamente, destacase também a relação que o autor estabeleceu com as tradições, os costumes, os ritos, a cultura, as leis, a economia, o grau de segurança e de proteção oferecido pelas sociedades, etc.
Outros fatores que interferem e condicionam o desenvolvimento e a personalidade de uma determinada pessoa humana, relação igualmente bem dissecada por Boris Cyrulnik na sua obra, são sobretudo o nível de educação adquirido, o nível social, o reconhecimento (o não) do posto no grupo e na sociedade, a situação económica e financeira e a nacionalidade do indivíduo.
Ao longo da história, até ao dia de hoje, pudemos verificar, de diferentes modos, como os vários regimes totalitários não só estiveram na base da destruição de várias sociedades, como também, neste sentido, impediram a autorrealização das pessoas humanas afetos a elas, inclusive as gerações futuras. Neste sentido, considerase importante a obra de Boris Cyrulnik, que, sobretudo do ponto de vista filosófico (antropo lógicoéticopolítico) ao mesmo tempo que tece um diálogo interdisciplinar com outras áreas do conheci mento procura interpretar, analisar e desmistificar alguns pontos, com relação a essa problemática, como também propor algumas soluções. Assim, terminase esta recensão, encorajando, se permitido, o autor a continuar com o seu bom trabalho de investigação, que já dura há vários anos.
As traduções dos capítulos ao português foram feitas pelo autor da resenha.↩︎