CORRESPONDÊNCIA SCHELLING-HEGEL-HÖLDERLIN

(1794-1796)

 

SCHELLING-HEGEL-HÖLDERLIN CORRESPONDENCE

(1794-1796)

 

 

Fernando M. F. Silva[1]

Centro de Filosofia, Universidade de Lisboa, Portugal

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

O presente texto, de que se dá em seguida a tradução portuguesa, consiste numa selecção da correspondência entre F. W. J Schelling (1775-1854), J. C. F. Hölderlin (1770-1843) e G. W. F. Hegel (1770-1831), três colegas e amigos do Stift de Tübingen, três vértices de uma das mais interessantes e importantes unidades teóricas do idealismo alemão e, por conseguinte, três elementos cujos anos de aprendizagem filosófica se revelam hoje essenciais para a boa compreensão da génese da sua época.

            Passados mais de dois séculos desde esta, é hoje impossível afirmar com certeza quantas cartas terão composto realmente o todo da correspondência entre os três colegas, ou durante quanto tempo esta se terá estendido; pois não há hoje dúvida de que muitas cartas terão sido perdidas ou obliteradas, e de que, por conseguinte, o grupo de missivas que até nós chegou é ele próprio a imagem possível de uma correspondência mais profícua e longa. Ainda assim, dispomos hoje de cerca de trinta e três cartas entre os três autores, distendidas entre 10 de Julho de 1794 e 2 de Novembro de 1807. A correspondência não é de todo regular – e menos regular se afigura agora, no nosso tempo, devido às limitações acima expostas. Assim, durante estes anos, longos períodos de silêncio – por vezes de anos – ocorreriam entre os três colegas, a ponto de não ter chegado até nós nenhuma carta dos amigos entre Julho de 1804 e Janeiro de 1807, ou de, em todo o tempo da correspondência, entre outras particularidades, só haver duas cartas entre Schelling e Hölderlin – em 1799.[2] As excepções a esta irregularidade são duas: o importante período entre Julho de 1803 e Julho de 1804, de que nos restam sete cartas, e no qual se dá uma intensa troca de impressões entre Schelling e Hegel, não documentadas aqui, e o ainda mais importante período entre 1794 e 1796 – os anos de juventude dos três autores –, do qual chegaram até nós dezasseis cartas (algumas em fragmento), e em que nos é dado vívido testemunho sobre as preocupações filosóficas, políticas e religiosas tanto dos autores, como da sua época. É este o período de que se oferece aqui a reconstituição, e de que apresentamos em seguida nove testemunhos, quase sequenciais, entre Dezembro de 1794 e Janeiro de 1796, e dois outros tendo como interlocutor F. I. Niethammer, até Fevereiro de 1796. Deste grupo foram deliberadamente excluídas cartas de conteúdo teórico menos significativo, ou então outras deveras relevantes, mas que ultrapassavam o âmbito deste trabalho quer na sua extensão, quer nas suas necessárias balizas temporais – como, por exemplo, a carta de Hegel a Hölderlin de Agosto de 1796, contendo o poema «Eleusis» (BrHeg, I, 38-40), ou a referida carta de Hölderlin a Schelling de Julho de 1799, na qual Hölderlin convida Schelling a participar num jornal que então tencionava organizar – convite que Schelling viria a declinar.

            O período temporal encerrado nas cartas dispensa apresentações – nele vêem vários estudiosos desta época um dos períodos mais importantes da filosofia alemã, e até uma época cuja coerência e coesão teóricas só encontrariam paralelo na Grécia Antiga. Pois, com efeito, é nestes escassos anos que se desenrola todo um episódio de radical transformação não só da face da filosofia, mas também do próprio pensar que se debruça sobre a filosofia – numa palavra, de delimitação do domínio filosófico, e subsequente afirmação da filosofia como ciência –, a que não são de todo alheios os contributos de Kant, enquanto preconizador do novo filosofar, de Reinhold e Fichte, enquanto divulgadores, defensores e reformuladores, mais ou menos radicais, do método kantiano, e por fim das ditas facções (ou seitas) filosóficas anti-kantianas, de que também os supernaturalistas de Tübingen, eles próprios Professores de Teologia de Schelling, Hegel e Hölderlin, faziam parte. Mas se estes anos são importantes porque neles se dá a fase mais relevante e convulsiva da recepção da filosofia de Kant, o subsequente zénite do idealismo alemão e da (a este subjacente) filosofia reinholdiana-fichteana, e ainda o germe do Romantismo alemão, eles seriam porém ainda mais especialmente importantes para os nosso três autores porque ao longo deles se pode reconstruir, desde a sua origem até à sua resolução, várias das preocupações, das cogitações e dos projectos que estes então começavam a empreender, e que viriam a executar ora por si, ora em conjunto uns com os outros, assim lançando as primeiras pedras dos seus futuros edifícios de pensamento – e isto, claro está, pelo prisma do que viriam a ser três dos mais importantes autores deste período. Assim, e sem me querer alongar muito sobre a complexa tessitura que inscreve os três jovens no enquadramento teórico do seu tempo (a qual, assim como assim, é mais bem visível na própria leitura da tradução, e respectivas anotações), direi que as cartas aqui traduzidas nos apresentam um Schelling, um Hegel e um Hölderlin únicos, e que elas reconstituem um período especialmente relevante também para os seus autores. Sobre aqueles, as suas influências e o seu período, direi apenas algumas palavras, necessárias para uma melhor compreensão da origem desta correspondência.

             São numerosos, e até certo ponto bastante claros, os indícios que nesta correspondência são dados sobre a situação dos três amigos, o ponto da evolução espiritual e teórica destes, e sobre o modo como, no fim de 1794, as convicções de Hegel, Schelling e Hölderlin se relacionavam com o espírito da sua época. Os sinais a este respeito são dados por qualquer um dos três autores, quer nas suas correspondências privadas, quer na correspondência conjunta aqui apresentada.

Os mais precoces e claros, porém, serão porventura os seguintes.

Em primeiro lugar, pela voz de Hölderlin, que já na primeira metade de 1790 demonstra ocupar-se intensivamente da leitura de Kant, que entre esse período e Abril de 1794 reitera estar cada vez mais a separar-se da arte e a embrenhar-se na «região do abstracto» (SWB, 4: 135), e que a 10 de Outubro de 1794, em carta a Neuffer, diz tratar-se esta transição de algo natural na vida de um homem, e a designa do seguinte modo: «Quase não sobrou uma linha dos meus antigos papéis. A grande transição da juventude para o ser do homem, do afecto para a razão, do reino da fantasia para o reino da verdade e da liberdade sempre me pareceu meritória da morosidade de um tal processo.» (id.: 159). Por sua vez, Schelling, à altura o mais jovem dos três amigos, e o único dos três então ainda em Tübingen, esboça a 6 de Janeiro de 1795 a sua actual situação, dizendo que «Desde há quase um ano» [os meus trabalhos teológicos] são agora «secundários», e que «Até aqui, a única coisa que me interessava eram investigações históricas sobre o Antigo e o Novo Testamento, e o espírito dos primeiros séculos cristãos – é aqui que há mais a fazer; – mas desde há algum tempo, também isto foi interrompido. [...] Eu vivo e movo-me actualmente na filosofia.» (Peça 2) E por fim, tome-se o exemplo do próprio Hegel, que, no início de 1795, reconhecia estar ainda ausente «dos palcos da actividade literária» (Peça 1), e que à altura devotava ainda a sua reflexão à teologia, mas que, uma vez instado a isso pelos seus colegas, trataria de mostrar paulatinamente na sua correspondência – sobretudo a partir de meados de 1795 – uma maior aproximação à Filosofia.

Assim, o que isto significa é que os três amigos viviam então, ou viriam a viver em breve, um período de transformação – uma transição de estudos de índole teológica, ou literária, para uma mais premente ocupação com a Filosofia, e com os problemas filosóficos na agenda da época; e ainda que não seja difícil aventar que nem as preocupações filosóficas dos autores começariam apenas aqui, nem as preocupações teológicas e/ou literárias dos mesmos terminariam neste ponto, sem mais (pois, olhando para o percurso dos três no Stift, é visível que tanto na Promotion de Hegel e Hölderlin, entre 1788 e 1793, como na de Schelling, entre 1790 e 1795, os primeiros dois anos eram devotados ao estudo da Filosofia, e os três anos subsequentes ao estudo da Teologia – o que, à luz do anterior episódio, significava que os três autores trilhavam agora um percurso inverso nas suas preocupações), todavia, esta transição/fusão teologia-filosofia é real, e merece ser abordada por dois prismas: quer na sua origem comum aos três autores – o enquadramento histórico-teórico da época –, quer no desenvolvimento imediato que cada qual lhe daria, e do qual resultaria a correspondência aqui apresentada.

Assim, com respeito ao primeiro prisma, várias causas motivam a anterior evolução espiritual registada nos três jovens filósofos, e explicam o fundo teórico comum a Hölderlin, Schelling e Hegel, base da transição dos seus interesses para a Filosofia.

1) O Stift. Tomado apenas enquanto tal, o Stift de Tübingen dificilmente poderia ter alguma influência sobre o pensamento dos seus alunos, a não ser o da formação que lhes ministrava. Pois, até então, a pequena universidade de Tübingen pouca expressão tinha no contexto intelectual alemão, e muito devia em relevo a Jena, ou Göttingen. Mas, a partir de 1787, e mais ainda com o virar da década, os teólogos ortodoxos G. C. Storr (1746-1805) e J. F. Flatt (1759-1821), Professores no Stift de Tübingen e também dos três jovens, encetariam um aceso diálogo teórico com Jena, mais concretamente com K. L. Reinhold, sobre a validade do método de dedução (a causalidade), a linguagem, os princípios de Kant, opondo-os a uma rigorosa exegese bíblica, e contrapondo a palavra humana à palavra do divino.[3] Isto, por certo, traria Tübingen para o centro da discussão intelectual da época. Mas, ao mesmo tempo, no zelo de blindar os seus alunos contra as heresias teóricas do exterior, a ortodoxia tübingiana não conseguiria evitar um efeito contrário, fazendo crescer entre a comunidade estudantil a certeza da opressão de um tal método de ensino, e da perpetuação do mesmo no tempo (veja-se que, em Janeiro de 1795, Schelling deplora ainda a aparentemente inextirpável «velha erva daninha» (Peça 2)); e assim, confrontados com a ortodoxia do seu ensino, ao mesmo tempo os estudantes procuravam a liberdade em outros eventos, autores ou obras, que para estes haviam de funcionar como um bálsamo teórico, uma liberdade possível no seio da constrição intelectual da vida no Stift. Estes seriam vários, e, a par da anterior conjuntura do Stift, apresentamo-los como outras tantas causas comuns para a transformação teórica dos três jovens:

2) A Revolução Francesa, cujos relatos tardios viriam a desiludir e horrorizar muitos, mas que, não obstante, seria inicialmente tomada como uma singular efeméride de prosperidade e mudança, e vista como um símbolo de oposição à ortodoxia do Stift (lembre-se o episódio da plantação de uma árvore, pela mão de Schelling, Hölderlin, Hegel e outros Stiftler, por ocasião do aniversário da Queda da Bastilha, a 14 de Julho de 1793);

3) O ressurgimento da filosofia platónica, um pouco por todo o panorama literário-filosófico, mas devidamente cristalizado na obra de W. G. Tennemann, System der Platonischen Philosophie (1792-1795). Schelling, um estudioso de Platão, não deixaria de a ler e de por esta ser influenciado;

4) Spinoza, cuja importância no Stift é recuperada pelo Spinoza-Büchlein (1785),[4] de F. H. Jacobi, obra que hoje sabemos ter sido lida, estudada e comentada pelos três amigos. Esta suscitaria o Pantheismus-Streit, e para muitos alunos do Stift era um dos mais importantes símbolos anti-ortodoxos e, portanto, sinónimo de liberdade de pensamento;

5) Kant, que como se não bastasse ser visto como um opositor da ortodoxia tübingiana (e se o era, era-o sobretudo mediante a palavra de Reinhold), via ainda a sua filosofia ser lida com reverência e entusiasmo pelos jovens estudantes de Tübingen,[5] e o seu nome louvado como a alma da filosofia: «Por certo, há agora abundância de kantianos – da boca das crianças e dos petizes presta-se louvor à filosofia (...)» (Peça 2). Para isto, porém, não terão contribuído pouco os escritos fichteano Kritik aller Offenbarung (1792) (que se julgou ser da autoria de Kant), e o escrito kantiano Die Religion innerhalb der Grenzen der bloßen Vernunft (1794).

Mas, para além deste, há ainda um segundo prisma: razões individuais, traços únicos no desenvolvimento de cada um dos três jovens filósofos que motivariam a referida transição destes da teologia para a filosofia, e a subsequente correspondência entre os três.

Assim, no caso de Schelling, e retornando às mais vetustas origens do pensamento deste, é visível que os seus primeiros estudos trabalham questões de teologia, linguagem, teoria da representação – no fundo, todos estes temas na ordem do dia do Stift. A saber, o interesse de Schelling, que Hegel descreve como a «clarifica[ção de] importantes conceitos teológicos» (Peça 1), visava questões de exegese bíblica, e, subsequentemente, a produção de colectâneas de mitos, enquanto formas de representação do dizer e sentir originários dos homens[6] – questões versando os modos de expressar originários do Mundo Antigo, aquilo a que Schelling se refere como «investigações históricas sobre o Antigo e o Novo Testamento, e o espírito dos primeiros séculos cristãos» (Peça 2); e disso são produtos não só os seus «Platon-Studien» (1793/94), mas também «De Malorum Origine» (1792), «Über Mythen, historische Sagen und Philosopheme der ältesten Welt» (1793) e a sua dissertação da Promotion, «De Marcione Paullinarum epistolarum emendatore» (1795). Ao longo destes anos, e no ano imediatamente subsequente, porém, vários episódios trariam o foco da atenção de Schelling para a Filosofia:

A) A muito precoce influência de Reinhold, de quem Schelling sempre fala nas cartas, a cuja filosofia Schelling reconhece central importância enquanto necessária fase de transição em direcção à «recondução da filosofia aos seus últimos princípios» (Peça 5), e a quem, em boa verdade, Schelling dedicara já em 1792 um dos seus Specimina,[7] hoje perdido;

B) A dupla visita de J. G. Fichte a Tübingen, de 11 a 13 de Junho de 1793, e a 2 de Maio de 1794, durante as quais Fichte, então trabalhando nas suas «Eigne Meditationen» (1793/94), na «Aenesidemus-Rezension» (1793/94), e na aquisição de um princípio absoluto de toda a filosofia,[8] por certo muito terá influenciado Schelling a juntar-se ao «curso do seu tempo» (Peça 2) e a aderir à causa filosófica. O texto «Über die Möglichkeit einer Form der Philosophie überhaupt», o primeiro texto estritamente filosófico de Schelling, coligido em Setembro de 1794, é disso inequívoca prova;

C) A influência de C. I. Diez, Repetent em Tübingen, entre os últimos meses de 1794 e Julho de 1795, o qual, após ter sido já em 1792 o principal crítico da filosofia elementar de Reinhold, e o principal causador da subsequente reformulação do sistema deste[9] por certo muito moldaria também o subsequente pensamento de Schelling; e, por fim,

D) A influência do próprio Hölderlin, exercida mais tardiamente, a partir do fim de Julho de 1795, e de que resultariam não só importantes transformações no modo de pensar de Schelling (Peça 11), mas por certo também o famoso fragmento de autoria incerta, intitulado «Älteste Systemprogramm des deutschen Idealismus», de 1796 ou 1797.

Por sua vez, também Hölderlin demonstra um semelhante apego inicial à teologia, e isso desde os seus mais antigos testemunhos teóricos; como exemplos, servem as suas duas dissertações ainda em Tübingen, intituladas «Paralelle zwischen Salomons Sprüchwörtern und Hesiods “Werken und Tagen”» (1790), e «Geschichte der schönen Künste unter den Griechen» (1790), as quais visam analisar, respectivamente, o oculto sentido filosófico de diversas máximas religiosas, e arte e filosofia na sua evolução entre os helenos; o «Predigt über 2. Joh. 7-9» (1791), a sua transcrição de Jacobi, intitulada «Zu Jacobis Briefen über die Lehre des Spinoza» (1791), e os trabalhos preparatórios para o romance Hyperion.[10] Mas se, também em Hölderlin, estes trabalhos dariam progressivamente voz mais viva a preocupações filosóficas, no caso deste, porém, há que procurar a razão destas em outras influências que não as de Schelling, ou mesmo as de Hegel:

A) Em primeiro lugar, o conflito espiritual de Hölderlin entre poesia e filosofia. Tal como Schiller antes dele, ou Novalis quase simultaneamente, também Hölderlin sentiria, sobretudo a partir de 1793, um conflito entre a sua destinação poética e uma restrição ou disciplinamento filosófico. Este, conflito, aliás, está amplamente documentado em várias cartas (não apenas naquelas aqui apresentadas), nas quais Hölderlin afirma a necessidade de complementar o trabalho poético, e as necessárias dispersões e abstracções que lhe estão subjacentes, com uma subjugação a uma «tirana» (Peça 11), uma submissão ao «hospital dos poetas infelizes» (SWB, 4, 322), a filosofia – e isso, de tal modo que só essa mesma subjugação, e o sofrimento que lhe era inerente, poderiam circunscrever o verdadeiro domínio da filosofia no campo do saber, e assim permitir ao poeta completar o seu curso na poesia. É esta, em grande parte, uma das primeiras motivações de Hölderlin para o seu filosofar, e razão de ser dos seus primeiros trabalhos filosóficos;

            B) Depois, a partir de 1792, na mútua influência que sobre Hölderlin teriam Kant e Schiller: Kant, que era para o jovem poeta o «Moisés da [sua] nação]» (SWB, 4, 337), cuja filosofia Hölderlin conhecia já desde 1790, e cujo pensamento estético seria de particular relevância quer para a evolução dos trabalhos no Hyperion, quer para os seus primeiros trabalhos teóricos de 1794; e Schiller, que Hölderlin elegeria como seu mentor na poesia, e cuja reflexão estética tão decisivamente influiria sobre os trabalhos do jovem de Lauffen am Neckar. Da influência de ambos, aliás, resultaria a ideia de produzir umas «Neue Briefe über die ästhetische Erziehung des Menschen», onde Hölderlin visaria retomar a obra iniciada por Schiller, e ultrapassar o limiar kantiano na questão estética: «Talvez possa enviar-te um ensaio sobre as ideias estéticas; porque ele vale como um comentário sobre o “Fedro” de Platão, e porque um passo do mesmo é texto expressamente meu, talvez este possa ser usado por Conz. No fundo, ele conterá uma análise do belo e do sublime segundo a qual a [análise] kantiana se tornará mais simples e, por outro lado, mais diversificada, como Schiller o fez já em parte no seu escrito “Über Anmut und Würde” – mas, na minha opinião, arriscando um passo a menos do que deveria em relação ao limiar kantiano. Não sorrias! Posso estar errado; mas examinei [a questão], e fi-lo com delonga e abnegação» (id.: 160);

C) A influência de F. I. Niethammer (1766-1848), personagem não raras vezes olvidada, mas de inegável relevância não só na história individual de cada um dos três amigos de Tübingen, mas na própria história do idealismo alemão. De salientar que Niethammer, ele próprio ex-estudante no Stift, ele próprio um crítico acérrimo do ambiente do mesmo, e ele próprio um autor que resvalaria da teologia para a filosofia,[11] seria, nas palavras de Hölderlin, o seu «mentor filosófico» (Peça 11), o seu guia no importante conflito que Hölderlin sempre sentiria entre poesia e filosofia, e, por fim, a partir de 1795, o editor do muito importante Philosophisches Journal, para o qual Hölderlin planearia enviar as referidas Cartas, e com o qual Schelling viria a colaborar efectivamente;

D) Finalmente, a influência de Fichte, a «alma de Jena» (SWB, 4, 162), que Hölderlin conheceria pessoalmente, cujas aulas sobre a Doutrina da Ciência frequentaria entre Novembro de 1794 e Junho de 1795, e cuja filosofia especulativa, tão contrária à maneira de pensar poética de Hölderlin, não deixaria de cunhar o pensamento deste, e de granjear deste forte crítica, sobretudo na questão da possibilidade de um princípio absoluto de toda a filosofia.

Por fim, no caso de Hegel, bastaria que atendêssemos aos seus trabalhos do Stift (1785-1788), aos seus Sermões (1792/1793) ou até aos seus estudos da juventude (1793-1794), tais como «Wiefern ist Religion» (GW, 1, 75-77), «Religion ist eine der wichtigsten Angelegenheiten» (id., 83-114) ou «Unter objektiven Religion» (id., 138-140), para notar que a teologia sempre estaria na base teórica do seu pensamento filosófico, ou que, pelo menos, há em Hegel entre filosofia e teologia mais do que um mero elo acidental. Aliás, dos três amigos, Hegel seria aquele em quem a teologia sempre estaria mais profundamente arreigada; mas, por isso mesmo, devido a esse seu «afastamento dos palcos da actividade literária» (Peça 1), ele seria também, dos três, aquele que mais tarde daria a conhecer a sua reflexão filosófica.[12] Ainda assim, também no caso de Hegel, há a registar influências filosóficas específicas – estas de manifestação mais tardia, já visível nas cartas em seguida traduzidas:

A) Kant, por certo, mas não exactamente o mesmo Kant crítico de Schelling, ou o Kant esteta de Hölderlin, antes o Kant pensador da religião e, por conseguinte, o Kant mais próximo daquele que fora combatido em Tübingen, e que melhor fora dado a conhecer e estudar a Hegel até à sua partida do Stift, em 1793. Prova disto são dois passos nas cartas: um primeiro, pela voz do próprio Hegel, segundo o qual, no início de 1795, ele procurava «determinar com maior exactidão até que ponto, após a consolidação da crença moral, agora precisamos ao invés da ideia legitimada de Deus, por exemplo, na explicação da referência dos fins, etc., [até que ponto] a devíamos transportar agora da ético-teologia para a físico-teologia, e aí imperar com ela. Parece-me ser este, em geral, o curso tomado na ideia de Providência – tanto em geral, como também nos milagres, e, como [o faz] Fichte, na revelação» (Peça 3); e outro, pela voz de Hölderlin, sempre informado sobre o mais íntimo das preocupações de Hegel, onde aquele, complementando as anteriores palavras deste, diz que: «O conceito de providência, trata-lo de modo muito paralelo à teleologia de Kant; o modo como ele une o mecanismo da natureza (e, portanto, também do destino) à conformidade a um fim desta parece-me conter verdadeiramente o espírito do seu sistema; com efeito, é este o mesmo com que ele apazigua todas as antinomias» (Peça 4); passos estes que, a nosso ver, compreendem in nuce toda uma nova concepção inversa de Providência, e por conseguinte da causalidade, da representabilidade do Eu e do mundo, de raíz por certo kantiana, mas de aplicação outra, tendo em vista uma filosofia e uma auto-compreensão do Eu que parte do condicionado (e portanto negando uma filosofia por princípios). Por aqui se explica, por exemplo, a discórdia de Hegel com Schelling ou Fichte, a qual viria a motivar a primeira grande obra filosófica de Hegel, intitulada Differenz des Fichteschen und Schellingschen Systems der Philosophie (1801);

B) Hölderlin, cuja amizade jamais se extinguiria, mas cuja influência teórica seria ainda mais notória na fase mais crucial da evolução espiritual de Hegel. Não que a influência não fosse de algum modo recíproca;[13] mas aqui se ressalva a importância que o génio poético de Hölderlin teria sobre o filosófico de Hegel, não só nos tempos do Stift, mas também durante o período destas cartas, e ainda mais especialmente depois, nos tempos em que ambos frequentariam o grupo de Homburg von der Höhe, em 1799, a par de C. U. Böhlendorff, I. von Sinclair ou J. Zwilling. Prova disto, reitero, é o poema «Eleusis».

C) O próprio círculo de Homburg (1797-1799),[14] algo tardio na vida de Hegel, mas ainda precoce na formação da sua filosofia, e a convivência mais directa com um grupo de poetas-filósofos cujo trato daria à filosofia de Hegel um cunho mais vincado, um sentido mais preciso – e, sobretudo, uma abordagem filosófica à filosofia, ao filosofar sobre a filosofia, que pouco tem de filosófico, que se abstrai da filosofia para pensar a filosofia – que se abstrai do absoluto para pensar o absoluto –, e que encontra par em outros esforços no seio deste grupo, como os trabalhos preparatórios de Hölderlin para o seu Empédocles,[15] ou os fragmentos que até nós chegaram de Jakob Zwilling.[16] 

 

            É este, em poucas, e por certo muito incompletas palavras, o enquadramento teórico comum e individual que albergava cada um dos três amigos de Tübingen, que veria nascer e fenecer a correspondência dos três, e que estaria como fundamento do desenvolvimento do pensamento de cada um deles.

            Já com respeito à própria tradução, optou-se por ser tão completo, e tão fiel à versão original alemã dos textos, quanto possível, a fim de assegurar a experiência de leitura própria de uma troca de cartas, e sem perturbar a boa leitura dos mesmos pelo leitor. Esta opção contempla dois aspectos.

Em um respeito formal, a disposição das cartas foi mantida como no original; isto é, para além do óbvio respeito pela mancha tipográfica originária dos textos, também a pontuação destes foi mantida, assim como o foram as abreviações, os numerais, os itálicos (apenas a palavras latinas foram acrescentados itálicos), os estrangeirismos de vária ordem, e até eventuais anotações nas margens da folha, por parte dos autores, aqui reproduzidas na íntegra. A única excepção está na muito pontual inserção de parênteses rectos, justificada pela necessária complementação em língua portuguesa de algo que, sem os mesmos parênteses, corresponderia ao alemão do respectivo autor, e que na língua original faz sentido mesmo sem estes.

Por outro lado, num respeito estilístico – e em consonância com o aspecto formal – procurou-se preservar o tom solto, despreocupado e cordial que é de normal tom em cartas entre amigos, e de que (quase todas) estas cartas são um bom exemplo. Para tal, foram mantidas intactas e reproduzidas enquanto tal todas as interjeições, coloquialismos, e até ditos e provérbios nestas ocorrentes, com a excepção dos casos em que isso simplesmente não é possível, ou aconselhável, e poderia redundar em inultrapassável estranheza para o leitor (como, por exemplo, no caso da expressão «Tür und Angel geöffnet» (Peça 3), em que uma tradução literal é desaconselhada, e onde se optou pela necessariamente incompleta, mas pelo menos parcial solução «escancarou as portas»; ou então, logo após na Peça 3, em que se diz: «kein Ziel und Damm mehr zu setzen», e onde, perante a inexistência de uma expressão correspondente em língua portuguesa, optámos por «pôr fim e limites»).

 

 

 

 

 

TEXTO

 

 

 

1. HEGEL A SCHELLING, 24 DE DEZEMBRO DE 1794

 

 

 

Meu caro!

 

Há muito queria ter renovado contigo o vínculo de amizade em que outrora nos encontrámos. – Este desejo reavivou-se recentemente, quando li o anúncio de um artigo teu nas Memorabilien de Paulus[17], e te encontrei na tua antiga senda, clarificando importantes conceitos teológicos e, pouco a pouco, ajudando a separar o velho joio do trigo. – Não posso senão atestar uma alegre simpatia a este respeito; creio que é chegado o tempo de se ser mais livre com a linguagem, o que em parte é já feito, e deve [ser feito]. – Só o meu afastamento dos palcos da actividade literária me impede de, aqui e ali, receber notícias sobre uma questão que tanto me interessa – e ficar-te-ia muito grato se de vez em quando me quisesses dar conta quer disto, quer dos teus trabalhos. Anseio muito por uma situação – não em Tübingen – onde possa reunir o que outrora olvidei, e até, aqui e ali, deitar mãos à obra. – Totalmente ocioso não estou, mas a minha ocupação, demasiado heterogénea e amiúde intermitente, não me deixa alcançar nada de bom.

Há alguns dias, calhei a falar com o autor de umas cartas que bem conheces, no [jornal] Minerva, de Archenholz – assinadas por O., supostamente um inglês. O autor, porém, é um silésio, e chama-se Oelsne[18]. Ele deu-me notícia de alguns wurtemberguenses em Paris, e também de Reinhard[19], que tem um posto de grande relevância no Départment des Affaires Étrangères. Oelsner é ainda um jovem, vê-se que trabalhou muito; este Inverno, tomará residência aqui.

O que faz Renz[20]? Já enterrou o seu talento? Espero que não; – por certo, valeria a pena incitá-lo ou encorajá-lo, de tal modo que ele reunisse as suas decerto rigorosas investigações sobre importantes objectos; talvez isto pudesse compensar o desgosto em que vem vivendo há algum tempo. Tenho alguns amigos em Sachsen que o poderiam ajudar a encontrar alojamento. Se não o achares totalmente relutante, encoraja-o a algo assim, tenta vencer a sua modéstia; mas, em todo o caso, saúda-o por mim.

Como estão as coisas em Tübingen? Antes que uma espécie de Reinhold ou Fichte ali ocupe uma cátedra, nada real dali sairá. Com efeito, em nenhum lugar o antigo sistema é tão fielmente propagado quanto ali; – e ainda que isto não tenha nenhuma influência sobre indivíduos com boas cabeças, a coisa insinua-se porém na maior parte, nas cabeças mecânicas; – com respeito a isto, é muito importante que espécie de sistema, de espírito um Professor tem, pois é através destes que isso é em grande parte trazido à circulação, ou aí devidamente contido.

Para além da de Storr[21], não me constaram ainda outras réplicas à doutrina da religião de Kant; ainda que, por certo, mais virão a ser conhecidas. Mas a influência destas, que por ora permanece silenciosa, só com o tempo virá à luz do dia.

Que Carrier foi guilhotinado, já o devem saber. Ainda lêem panfletos franceses? Se bem me recordo, foi-me dito que tinham sido proibidos em Württemberg. Este processo é muito importante, e pôs a descoberto toda a ignomínia dos robespierristas.

Muitos cumprimentos a Süskind[22] e Kapff[23]

 

 

 

O teu amigo Hgl.,

Chez Mr. le Capit. Steiger

 

 

 

 

[Na margem da 2ª página:]

Mögling[24] disse-me recentemente que Süskind achava que na Suíça abrem todas as cartas; mas garanto-vos, podem estar completamente despreocupados quanto a isto.

 

[Na margem da 3ª página:]

Um último pedido: será que Süskind não poderia enviar-me as folhas do Oberdeutschen Zeitung[25], onde está a recensão ao Repertorium de Mauchart[26]? – Não saberia como obtê-las aqui.

 

 

 

 

 

2. SCHELLING A HEGEL, 6 DE JANEIRO DE 1795

 

 

 

 

Tübingen, Dia de Reis de 1795

 

           

 

Lembras-te, pois, dos teus velhos amigos? Quase julguei que nos esqueceras, a mim e a todos nós. Em geral, os nossos velhos conhecidos parecem nunca nos reconhecer. Renz vive perto de nós, [mas] não o vemos nem ouvimos falar dele – e Hölderlin? Atribuo ao seu humor, [o facto de] até agora não ter pensado em nós. Eis a minha mão, velho amigo! Que não mais nos tornemos estranhos! Creio até que, entretanto, nos teremos renovado: tanto melhor para um novo começo!

Queres saber como estamos? – Santo Deus, sobreveio aqui um tal αυχμος[27], que não tardará a reanimar a velha erva daninha. Quem a extirpará? – Esperámos tudo da filosofia, e julgámos que o impacto que ela teve nos espíritos de Tübingen não voltaria a esmorecer tão cedo. Infelizmente, assim é! O espírito filosófico já atingiu aqui o seu meridiano – talvez ele gravite ainda por um tempo nas alturas, para depois se precipitar em queda acelerada. Por certo, há agora abundância de kantianos – da boca das crianças e dos petizes presta-se louvor à filosofia –, mas, após muito esforço, os nossos filósofos encontraram finalmente o ponto até onde se deve ir com esta ciência (já que, definitivamente, não se quer avançar sem a fastidiosa filosofia). É este o ponto em que se fixaram, em que se sediaram e construíram cabanas, nas quais é bom viver e pelas quais louvam Deus nosso Senhor! – E quem os expulsará daí ainda neste século? Onde eles se houverem estabelecido, que os leve daí o – ! Em boa verdade, o que eles fizeram foi extrair alguns ingredientes do sistema k[antiano] (da superfície, bem entendido), a partir do que, tanquam ex machina, são preparados caldos filosóficos tão poderosos sobre quemcunque locum theologicum, que a teologia, que já começava a tornar-se tísica, subitamente surge agora mais saudável e forte do que nunca. Todos os dogmas possíveis foram já rotulados como postulados da razão prática, e onde provas teorético-históricas de modo algum alcançam, eis que a razão prática (de Tübingen) desfaz o nó. É um júbilo, contemplar o triunfo destes heróis da filosofia. Os tempos de tribulação filosófica, outrora registados, chegaram ao fim! –

Quando um grande homem aparece e propõe um novo curso meteórico, muito acima das cabeças dos [seus] contemporâneos, como teme e se atemoriza a grande turba de homens moderados e aprumados que trilham a via intermédia, e que sofrimento é, até que, pelo suor das suas frontes, eles tenham encontrado entre a nova e excêntrica via, e a antiga, cómoda e gasta, uma nova via intermédia que possa ser percorrida por um homem justo em paz e tranquilidade com outros partidos. Esta estrada intermédia está já encontrada! Agora, com o espírito desta, há paz, tranquilidade e doce sono em todos os confins e lugares. Uma vez mais, eles lograram fazê-lo! Foram para além de todo o possível!

Escreves sobre o meu ensaio nas Memorabilien de Paulus. Ele é já bastante antigo, foi trabalhado de modo fugaz, mas talvez não o tenha escrito totalmente em vão. Dos meus trabalhos teológicos, não te posso dar muitas notícias. Desde há quase um ano, eles tornaram-se-me secundários. Até aqui, a única coisa que me interessava eram investigações históricas sobre o Antigo e o Novo Testamento, e o espírito dos primeiros séculos cristãos – é aqui que há mais a fazer[28]; – mas desde há algum tempo, também isto foi interrompido. Pois quem quer soterrar-se sob o pó da Antiguidade, quando a todo o momento o curso do seu tempo o arrebata e arrasta consigo? Eu vivo e movo-me actualmente na filosofia. A filosofia não chegou ainda ao fim. Kant facultou os resultados; faltam ainda as premissas[29]. E quem pode entender resultados sem premissas? – Um Kant, por certo; mas e a grande turba? Da última vez que aqui esteve[30], Fichte disse que tem de se ter o génio de Sócrates para penetrar em Kant. Cada dia acho isto mais verdadeiro. – Temos de levar a filosofia ainda mais longe! – Kant arrumou tudo – mas como poderiam eles notar isto? Temos de o esboroar perante os seus olhos, para que eles o possam agarrar com as mãos! Ó, os grandes kantianos que agora existem por todo o lado! Quedaram-se pela letra, e regozijam-se por verem ainda tanto à sua frente. Estou firmemente convicto de que, nas cabeças da maioria, a velha superstição, não só da religião positiva, mas também da dita religião natural, está já uma vez mais misturada com a letra kantiana. – É um prazer, ver como eles sabem manejar os cordéis da prova moral. Ao menor descuido, salta ao olhar o deus ex machina – o ser pessoal e individual que está sentado lá em cima no céu! –

Fichte elevará a filosofia a uma altura tal, que mesmo a maioria dos actuais kantianos sentirão vertigens

 

[…][31]

 

Recebi agora o início das conclusões do próprio Fichte, os «Grundlage zur gesammten Wissenschaftslehre»[32]. (Por certo tê-los-ás visto anunciados no Intelligenzblatt da ALZ[33]. Todavia, este escrito não irá para o mercado livreiro, antes deverá ser um mero manuscrito para os seus ouvintes). Li-o, e constatei que as minhas profecias não me iludiram. – Estou a trabalhar agora numa ética à la Spinoza[34]; ela há-de expor os mais elevados princípios de toda a filosofia, nos quais se unem a razão teorética e a razão prática. Se tiver coragem e tempo, ela estará pronta na próxima feira, ou o mais tardar no próximo Verão. – Já me dou por satisfeito, se for um dos primeiros a saudar Fichte, o novo herói, na terra da verdade! – Bendito seja o grande homem! Ele coroará a obra! A propósito: leste a “Zurückforderung der Denkfreiheit von den Fürsten Europas”?[35] Se não, manda-a vir de Jena. É lá que a encontrarás. – Quem poderia confundir o seu autor? Ela está no Reformator’s

 

 

[...][36]

 

 

 

 

 

3. HEGEL A SCHELLING, FIM DE JANEIRO DE 1795

 

 

 

Meu caro!

 

 

Quanto me alegrou a tua carta, não preciso de to dizer em maior detalhe; para além da fiel lembrança que tens do teu amigo, só o curso por que o teu espírito há muito enveredou, e que agora ainda agora trilha, me poderia interessar mais. Nunca nos tornámos estranhos enquanto amigos, e muito menos o fizemos em relação ao que constitui o grande interesse de todo o homem racional, para cuja promoção e difusão este procurará contribuir na medida das suas forças.

Desde há algum tempo reatei o estudo da filosofia kantiana[37], a fim de aprender a aplicar os seus importantes resultados a muitas das nossas ideias correntes, ou a trabalhar estas segundo aquela. Com os mais recentes esforços de penetrar até profundezas mais profundas, estou tão pouco familiarizado quanto com [a filosofia de] Reinhold, pois estas especulações parecem-me ser de mais íntimo significado para a razão teorética, do que de grande aplicabilidade a conceitos de uso mais geral. Por isso, não conheço detalhadamente estes esforços com respeito ao seu fim, só obscuramente os pressinto. Mas que não me tenhas informado dos cadernos que mandaste imprimir – disso, não te deveria ter dissuadido a preocupação com os portes. Entrega-os no vagão postal, não no correio! Eles serão de grande valor para mim.

O que me dizes do curso teológico-kantiano (si diis placet) da filosofia em Tübingen, não é de admirar. A ortodoxia não se deixará abalar enquanto a sua profissão, associada a vantagens mundanas, estiver entretecida no todo de um Estado. Este interesse é demasiado forte para que possa ser imediatamente abandonado, e actua sem que dele nos apercebamos distintamente no todo. Por ora, ela tem do seu lado a grande, sempre mais numerosa trupe de repetidores e escritores desprovidos de pensamento e superiores interesses. Logo que esta trupe lê algo contrário à sua convicção (se se quiser prestar à sua algaraviada a honra de assim a apelidar), e de cuja verdade eles pressentem isto mesmo, logo dizem: «Sim, é bem verdade», após o que se deitam, e de manhã bebem o seu café e servem-no a outros, como se nada tivesse acontecido. Para além disso, aceitam com toda a satisfação o que lhes é oferecido, e o que os mantenha no sistema da rotina. Mas, a meu ver, seria interessante que os teólogos, e o material de construção crítico acumulado para a consolidação do seu templo gótico, fossem tanto quanto possível perturbados no seu zelo de formigas, que tudo lhes fosse dificultado, e que eles fossem chicoteados para fora de qualquer ângulo de subterfúgio, até que não mais encontrassem outro e tivessem de mostrar o seu ponto fraco à luz do dia. Sob o material que subtraem da fogueira kantiana, a fim de impedir a conflagração da dogmática, eles próprios, porém, sempre trazem consigo carvão em brasa; são eles que provocam a propagação geral das ideias filosóficas. –       

Em relação ao excesso de que escreves, e cujo desfecho consigo imaginar, foi indelevelmente Fichte quem lhe escancarou as portas com a sua Kritik aller Offenbarung[38]. Ele próprio fez [dela] uso moderado; mas uma vez os seus princípios sejam firmemente aceites, não mais se pode pôr fim e limites à lógica teológica. Ele raciocina a partir da sacralidade de Deus, do que ele tem de fazer em função da sua natureza puramente moral, etc., e assim reintroduziu a antiga maneira de provar da dogmática; talvez valesse a pena esclarecer melhor isto. – Se tivesse tempo, procuraria determinar com maior exactidão até que ponto, após a consolidação da crença moral, agora precisamos ao invés da ideia legitimada de Deus, por exemplo, na explicação da referência dos fins, etc., [até que ponto] a devíamos transportar agora da ético-teologia para a físico-teologia, e aí imperar com ela. Parece-me ser este, em geral, o curso tomado na ideia de Providência – tanto em geral, como também nos milagres, e, como [o faz] Fichte, na revelação, etc. – Se chegar a desenvolver mais amplamente a minha opinião, submetê-la-ei à tua crítica, pedindo porém antecipadamente a tua indulgência. – O meu afastamento de toda a espécie de livros e a exiguidade do meu tempo não me permitem executar algumas ideias que trago comigo. Mas, pelo menos, não farei muito menos do que posso [fazer]. Estou convicto: só mediante contínuos abalos e comoções de todos os lados é de esperar enfim um efeito relevante; [de outro modo,] perdura sempre qualquer coisa; e todo o contributo desta espécie, mesmo que nada contenha de novo, tem o seu mérito; e a comunicação e o trabalho comunitário renovam e fortalecem. Por isso, repitamos amiúde o teu apelo: «Não queremos ficar para trás!».

            O que faz Renz? Parece haver no seu carácter algo de suspeição, algo que não gosta de se dar a conhecer, que trabalha apenas para si, que não julga os outros merecedores do esforço, ou que toma o mal por demasiado insanável. A tua amizade, não lograria ela exortá-lo à actividade, levando-o a polemizar contra os teólogos dos nossos tempos? A necessidade disto, e o facto de que isto não é supérfluo, transparece da própria existência da mesma.

            Hölderlin escreve-me de quando em vez de Jena; repreendê-lo-ei por ti. Ele tem ouvido Fichte e fala dele com entusiasmo, como de um titã que luta pela humanidade e cujo raio de eficácia não se quedará por certo entre as paredes do auditório[39]. Que ele não te escreva, não deves concluir por isso um arrefecimento na vossa amizade, pois decerto que esta não esmoreceu nele, e, segundo me parece, o seu interesse por ideias cosmopolitas é cada vez maior.

            Venha o reino de Deus, e que as nossas mãos não permaneçam ociosas no regaço!

            Há na tua carta uma expressão sobre a prova moral que não entendo bem: «saber manipulá-la de tal modo que o ser pessoal e individual daí surja.» Crês, pois, que não chegamos tão além? Adeus!

            Que a razão e a liberdade permaneçam o nosso lema, e a igreja invisível o nosso ponto de união.

 

 

H.

 

[Na margem:]

Responde-me quanto antes; saúda os meus amigos!

 

 

 

 

 

4. HÖLDERLIN A HEGEL, 26 DE JANEIRO DE 1795

 

 

 

            [...]

 

As folhas especulativas de Fichte – os Grundlage der gesamten Wissenschaftslehre –, e também as suas Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehrten[40], já impressas, interessar-te-ão muito. No início, suspeitava-o dogmático; se é que posso presumir, ele parece ter estado – ou está ainda – na bifurcação: ele queria ultrapassar o facto da consciência na teoria, e isso o demonstram muitas das suas expressões; e isto é tanto mais certo e ainda mais notoriamente transcendente, do que se os anteriores metafísicos quisessem ultrapassar a existência do mundo. O seu Eu absoluto (= substância de Spinoza) contém toda a realidade: ele é tudo, e fora dele nada é; por isso, não existe nenhum objecto para este Eu absoluto, pois, de outro modo, nem toda a realidade estaria nele; mas uma consciência sem objecto não é pensável, e se eu próprio sou este objecto, então eu estou enquanto tal necessariamente restringido, mesmo que seja apenas no tempo, e portanto não sou absoluto. Por conseguinte, no Eu absoluto não é pensável nenhuma consciência, enquanto Eu absoluto não tenho nenhuma consciência, e na medida em que não tenho nenhuma consciência, eu não sou (para mim) nada; por isso, o Eu absoluto não é (para mim) nada[41].

Assim escrevi os meus pensamentos ainda em Waltershausen, ao ler as primeiras folhas de Fichte, imediatamente após a leitura de Spinoza. Fichte confirma

 

[...][42]

 

            A sua discussão da determinação recíproca entre o Eu e o Não-Eu (segundo a sua expressão) é por certo singular, assim como o é a ideia de aspiração, etc. Tenho de interromper, e de te pedir que consideres tudo isto como não tendo sido escrito. Que te atenhas aos conceitos da religião é certamente bom e importante em muitos sentidos. O conceito de Providência, trata-lo de modo muito paralelo à teleologia de Kant; o modo como ele une o mecanismo da natureza (e, portanto, também do destino) à conformidade a um fim desta parece-me conter verdadeiramente o espírito do seu sistema; com efeito, é este o mesmo com que ele apazigua todas as antinomias. Fichte tem um pensamento muito singular com respeito às antinomias, sobre o qual, porém, prefiro escrever-te numa outra ocasião. Há muito que trago comigo o ideal de uma educação do povo, e porque agora te ocupas de uma parte desta, a religião, talvez escolha a tua imagem e a tua amizade como conductor dos meus pensamentos no mundo externo dos sentidos; em boa altura te escreverei por cartas o que porventura teria escrito mais tarde, para que tu as possas apreciar e corrigir [...].

 

 

 

 

5. SCHELLING A HEGEL, 4 DE FEVEREIRO DE 1795

 

 

 

 

Tübingen, 4 de Fev. 95

 

 

Não, amigo, não nos tornámos estranhos, estamos de volta aos antigos trilhos; e ainda que estes tenham sofrido uma inflexão que porventura nenhum de nós esperaria, eles são em nós um e o mesmo. Ambos queremos ir mais longe – ambos queremos impedir que o que de grande a nossa época produziu se volte a reunir com o fermento rançoso de tempos idos; isso deve permanecer puro entre nós, tal como procedeu do espírito do seu criador, e se for possível, não [o devemos devolver] à sua velha e tradicional forma com deformações e depreciações, antes [devemos trazê-lo] à sua plena consumação, na sua forma mais sublime, e com a proclamação expressa de que ele se oferece à batalha, para vencer ou perecer, contra a anterior constituição do mundo e das ciências.

Quanto aos tentames de Reinhold para reconduzir a filosofia aos seus últimos princípios[43], não te iludiu por certo a tua suposição de que eles não fazem progredir a revolução produzida pela Crítica da Razão Pura. Não obstante, também isto foi um estádio pelo qual a ciência tinha de passar, e não sei se não temos a agradecer a Reinhold [o facto de] que, em breve, mais brevemente do que segundo as minhas mais seguras expectativas tinha de acontecer, nos encontraremos no ponto supremo. Com este último passo da filosofia, espero que caia de vez o último véu – que se rompa a última teia filosófico-supersticiosa de filósofos privilegiados. Com Kant despontou a aurora; não surpreende pois que aqui e ali, num vale pantanoso, permaneça ainda uma pequena névoa, enquanto os cumes mais altos estão já [envoltos] em brilho do sol. A aurora tem de preceder o sol; e também a natureza, mediante o gradual nascimento do pleno dia, e a transição mediante o crepúsculo, cuidou maternalmente do olhar torpe; mas uma vez a aurora surja, então o sol terá de vir, e irradiar de luz e vida até mesmo o mais profundo recanto e dissipar a névoa do pântano[44].

É um excelente pensamento, aquele que visas executar. Prometo deitar mãos à obra tão brevemente quanto possível. Se estás decidido a não permanecer ocioso, tens um campo de honrosa colheita e grande mérito. Com que então, selaste de uma vez as últimas portas da superstição. Tu próprio escreves que, enquanto se vir como válido aquele modo de deduzir que Fichte recuperou na Kritik aller Offenbarung – talvez por acomodação, ou para se divertir às custas da superstição, e, com um sorriso, granjear a gratidão dos teólogos –, a loucura filosófica não terá um fim. Já amiúde, na ira, quis elevar-me sobre o excesso dos teólogos, refugiando-me na sátira e reconduzindo toda a dogmática – com todos os berloques de séculos mais obscuros – a fundamentos práticos da fé; mas faltou-me o tempo, e sabe Deus se, fosse a sátira levada a cabo, ela não seria tomada a sério pela maioria, e eu, ainda na minha juventude, e em silêncio, não teria tido o gozo de brilhar como um círio filosófico. – A coisa tem de ser atacada com seriedade, e da tua mão, amigo, espero o início disto mesmo. – Agora a resposta à tua questão: se eu creio que, com a prova moral, não alcançamos um ser pessoal? Confesso que a questão me surpreendeu; não a esperaria de um confidente de Lessing; mas bem sei que só a fizeste a fim de saber se ela está completamente resolvida em mim; pois, para ti, por certo que ela está há muito resolvida. Também para nós, os conceitos ortodoxos de Deus não mais existem[45]. – A minha resposta é: nós alcançamos ainda mais além do que o ser pessoal. Tornei-me entretanto spinozista! – Não te surpreendas. Dir-te-ei em seguida como. – Para Spinoza, o mundo (o simples objecto, em contraste com o sujeito) – era tudo; para mim, é-o o Eu. A verdadeira diferença entre as filosofias crítica e dogmática parece-me residir [no facto de] que aquela parte do Eu absoluto (ainda não condicionado por nenhum objecto), esta do objecto absoluto, ou Não-Eu. A última, na sua suprema consequência, conduz ao sistema de Spinoza[;] a primeira ao de Kant. A filosofia tem de partir do incondicionado. Agora, resta perguntar onde reside este incondicionado, se no Eu ou no Não-Eu. Uma vez esta questão seja resolvida, tudo está resolvido. – Para mim, o princípio supremo de toda a filosofia é o Eu puro e absoluto, isto é, o Eu na medida em que é mero Eu, ainda não condicionado por objectos, antes posto mediante liberdade. O A[lfa] e o O[mega] de toda a filosofia é liberdade. – O Eu absoluto compreende uma esfera infinita do ser absoluto; nesta se formam esferas finitas, as quais nascem mediante restrição da esfera absoluta por um objecto (esferas da existência – filosofia teorética). Nestas há pura condicionalidade, e o incondicionado leva a contradições. – Mas nós devemos derrubar estas restrições, isto é, devemos sair da esfera finita para a infinita (filosofia prática). Por conseguinte, esta promove destruição da finitude, e conduz-nos assim ao mundo extra-sensível. (O que era impossível à razão teorética – ela que muitas vezes era enfraquecida pelo objecto –, isso fá-lo a razão prática.) Mas neste [mundo], não podemos encontrar senão o nosso Eu absoluto, pois só este descreveu a esfera infinita. Não existe para nós nenhum mundo extra-sensível, a não ser o do Eu absoluto. – Deus não é senão o Eu absoluto, o Eu na medida em que aniquilou todo o teorético, e que é na filosofia teorética = 0. A pessoalidade nasce com a unidade da consciência. Mas a consciência não é possível sem objecto; [e não obstante] para Deus, isto é, para o Eu absoluto, não existe rigorosamente nenhum objecto, pois, nesse caso, ele deixaria de ser absoluto. – Por conseguinte, não existe nenhum deus pessoal, e a nossa máxima aspiração é a destruição da nossa pessoalidade, transição para a esfera absoluta do ser, a qual, todavia, não é possível na eternidade; – daí a aproximação prática ao absoluto, e daí – a imortalidade. Tenho de terminar. Adeus. Responde quanto antes

 

 

                                                                                                                      O teu Sch.

 

 

N.S. Envio-te os cadernos pedidos[46], e aguardo o teu recto, mas rigoroso juízo a propósito. Em relação a Renz, desespero por completo. Em breve escrever-te-ei sobre isto. Não queres tu escrever-lhe? Eu próprio me encarregarei da carta, mas a carta teria de ser composta com prudência, para que o tio dele lha possa ler.

                                                                                  

 

 

 

 

6. HEGEL A SCHELLING, 16 DE ABRIL DE 1795

 

 

 

Meu caro!

 

 

O atraso na minha resposta deve-se em parte a diversos afazeres, em parte também a dispersões ocasionadas pelas festas políticas que aqui foram celebradas. A cada 10 anos, são substituídos os cerca de 90 membros que por esta altura saem do conseil souverain. Quão humanamente isto se dá; como todas as intrigas de corte entre primos e primas nada são em comparação com as combinações que aqui são feitas, não to posso descrever. O pai nomeia o seu filho, ou o genro que providencie o maior dote, e assim por diante. Para se ficar a conhecer uma constituição aristocrática, tem de se ter passado aqui um desses Invernos, antes da Páscoa em que se procede à substituição.

Mas o que mais impediu uma mais célere resposta, foi o desejo de te escrever um juízo fundamentado sobre o escrito que me enviaste[47], pelo qual muito te agradeço, pelo menos para te mostrar que compreendi plenamente as tuas ideias. Com efeito, não tive tempo para um estudo fundamentado das mesmas; e no entanto, até onde me foi dado apreender as ideias principais, vejo nestas uma consumação da ciência que nos dará os mais fecundos resultados –, vejo aí o trabalho de uma cabeça de cuja amizade posso estar orgulhoso, e que veiculará o seu grande contributo para a mais importante revolução no sistema de ideias da Alemanha. Encorajar-te a expor a totalidade do teu sistema seria uma ofensa, pois uma actividade que tomou como sua um tal objecto não carece disso. Do sistema kantiano e da sua suprema consumação, espero na Alemanha uma revolução que partirá de princípios que já existem, e que só precisam de ser trabalhados na sua generalidade para [que possam] ser aplicados a todo o anterior saber. Com efeito, ela sempre permanecerá uma filosofia esotérica – e a ideia de Deus como o Eu absoluto incluir-se-á nesta. Por ocasião de um mais recente estudo dos postulados da razão prática pressenti aquilo que expuseste com clareza na tua última carta, que encontrei no teu escrito, e que, por fim, os Grundlage der Wissenschaftslehre de Fichte virão a confirmar; face às consequências que daí resultarão, muitos senhores se quedarão atónitos. Causará vertigens, esta suprema altura de toda a filosofia mediante a qual o homem tanto se eleva; mas porque se demorou tanto tempo a apreciar melhor a dignidade do homem, e a reconhecer a faculdade de liberdade deste, que o põe na mesma ordem de todos os espíritos? Creio que não há um melhor sinal dos tempos, do que este: que a humanidade seja apresentada em si própria de modo tão digno de respeito; prova disto, é o desaparecimento do nimbo em torno das cabeças dos opressores e dos deuses da terra. Os filósofos comprovam esta dignidade, e os povos aprenderão a senti-la e a não exigir os seus direitos arrastados no pó, mas sim a adquiri-los eles próprios – a apropriar-se deles. Religião e política jogaram sob um só telhado, e aquela ensinou o que o despotismo queria, desprezo pela espécie humana, incapacidade da mesma para qualquer bem, para se tornar algo por si própria. Com a disseminação das ideias sobre como algo deve ser, desaparecerá nas pessoas acomodadas a indolência de sempre tomarem tudo como é. Esta força vivificante das ideias, como as de pátria, constituição, etc., por muito que tenha ainda restrições em si, elevará os espíritos, e eles aprenderão a sacrificar-se por elas, pois actualmente o espírito das constituições fez um pacto com o proveito próprio, fundou sobre ele o seu reino. Cito sempre dos Lebensläufer[48]: «Aspirai ao sol, amigos, para que a glória da espécie humana em breve amadureça! O que querem as folhas obstrutivas? E os ramos? – Abrí caminho em direcção ao sol, e se emudecerdes, pois bem! Tanto melhor dormireis.»

Ocorre-me agora que este Verão é o teu último em Tübingen. Se estás a escrever a tua disputação, peço-te que ma envies tão brevemente quanto possível (entrega-a no serviço postal, e escreve nela que deve seguir viagem via correio); de resto, mesmo que mandes imprimir algo, pede ao livreiro Cotta[49] que mo faça chegar. Estou curioso por [ver] os produtos da feira da Páscoa; proponho-me estudar a D[outrina da Ciência] de Fichte no Verão, altura em que terei mais vagar para executar algumas ideias que há muito me acompanham, para o que me falta o recurso de uma biblioteca, da qual porém muito careço. As Horen, de Schiller, os dois primeiros cadernos, proporcionaram-me grande prazer; o ensaio sobre a educação estética do género humano é uma obra-prima[50]. Niethammer anunciou no início do ano um Jornal Filosófico[51]; resultou daí algo? Hölderlin escreve-me amiúde de Jena; ele está muito entusiasmado com Fichte, o qual julga capaz de grandes desígnios. Como deve fazer bem a Kant, ver os frutos do seu trabalho em tão dignos seguidores. A colheita virá a ser magnífica! A Süskind, agradeço o cordial esforço que empreendeu por mim. O que faz Renz? A fazer fé nas tuas afirmações, a sua relação com o tio afigura-se-me incompreensível, e faz-me perder a coragem de me dirigir a ele. – Que caminho toma Hauber[52]?

Adeus, meu amigo! Gostaria de voltar a ver-nos reunidos, para que pudéssemos partilhar muitas coisas um com o outro, e ouvir um do outro algo que pudesse confirmar as nossas esperanças. –

           

 

                                                                                              Berna, 16 de Abr. de 95

 

                                                                                                                      O teu H.

 

 

 

 

 

7. SCHELLING A HEGEL, 21 DE JULHO DE 1795

 

 

 

Tübingen, 21 de Jul. 95.

 

 

Enfim, caro amigo, logro responder à tua última carta. Inicialmente, queria apenas esperar até que a minha disputação estivesse escrita para, em conformidade com o teu pedido, ta poder enviar. Mas quando me libertei desta tarefa, adoeci, e tive de ir para casa para aí convalescer, e só há cerca de 8 dias estou de volta aqui. Agora, é para mim uma verdadeira carência recompor-me através do diálogo com um amigo como tu. A minha vida monótona, na qual cada dia tenho menos prazer e que, devido a relações que bem conheces, amargura a feliz expressão das minhas convicções, impele-me a procurar no silêncio os meus amigos, e, em comunidade com eles, alegrar-me com as esperanças que em grande parte devo também ao convívio com estes.

O que muito melhora a nossa presente situação, são as esperanças que nos infundem a actividade e as convicções esclarecidas do novo duque[53]. Com esta transformação – assim o espero –, o despotismo dos nossos meio-homens filosóficos receberá um rude golpe. É inconcebível, o dano que aquele despotismo moral causou; tivesse ele durado mais alguns anos, e teria oprimido a liberdade de pensamento na nossa pátria mais profundamente do que qualquer despotismo político estaria em condições [de o fazer]. Ignorância, superstição e fanatismo assumiram gradualmente a máscara da moralidade, e – o que é muito mais perigoso – a máscara do esclarecimento. Por certo, não tardaria até que muitos desejassem o regresso dos tempos do mais crasso obscurantismo; pois o círculo que este descreve é amplo, quando comparado com os limites que aquele medíocre esclarecimento teria traçado à nossa volta. Nunca se tratou apenas de conhecimento, visão, crença; tratava-se de moralidade: nunca se falou de apreciação dos conhecimentos, dos talentos, apenas se apreciava o carácter. Não se queria teólogos, filósofos eruditos, apenas se queria teólogos e filósofos morais e crentes, que tornem o irracional racional e escarneçam da história. – Mas, a seu tempo, hás-de receber uma descrição oral deste período; creio conhecer o seu espírito tão bem como qualquer outro. Garanto-te que ficarias estupefacto.

Recebes aqui a minha disputação[54]. Fui obrigado a escrevê-la rapidamente, e por isso espero a tua indulgência. De bom grado teria escolhido um outro tema, se tivesse tido liberdade, e se o primeiro tema que queria trabalhar (de praecipuis orthodoxorum antiquiorum adversus haeriticos armis), e que mesmo sem o meu mérito se teria tornado na mais mordaz sátira, me não tivesse sido desaconselhado privatim logo de início.

Mas muito mais indulgência, peço-ta para com o outro escrito[55] que recebes a par deste. Como me envergonhou, o juízo na tua última carta! Não dissimulo esta sensação; mas sinto agora sobejamente bem o que falta a este novo escrito, tal como ao anterior, e de bom grado o concedo perante todo aquele que, estando imbuído do mesmo sentimento, mo faça saber. Talvez só tarde virei a remediar o que até agora destruí. O meu principal erro foi não conhecer os homens, foi ter esperado demasiado da sua boa vontade – talvez até demasiado do seu dom divinatório. Tu próprio, na tua última carta, tinhas disto conceitos completamente diferentes. Por certo, amigo, a revolução que há-de ser operada pela filosofia está ainda longe. A maioria dos que pareciam querer cooperar, retrai-se agora, aterrorizada. Isto, não o esperavam eles! –

A eficácia de Fichte parece enfim – ou pelo menos por agora – totalmente interrompida. A sua corajosa invectiva contra as loucuras académicas dos estudantes de Jena, a par de uma cabala que porventura lhe é ainda movida em segredo por colegas invejosos, valeu-lhe as mais temíveis eclosões de um ódio generalizado entre os estudantes[56]. No início deste Verão, ele foi forçado a abandonar Jena por uma temporada; agora, diz-se, terá regressado – mas, meu Deus, com que perspectivas? – Publicamente – em muitos jornais – está a ser-lhe movido um processo moral, político e filosófico.

Nos jornais filosóficos de Jakob[57], ele é tratado como nem sequer a escória da literatura seria tratada. Todos quantos expulsaram da cabeça os seus Contributos[58], etc., a sua nova filosofia, triunfam. – De Schiller (o presumível autor das Cartas sobre a Educação Estética do Género Humano, nas Horen) diz-se ser uma vergonha que um tal homem se faça acompanhar de um Fichte. Todos os fracos de espírito estão indignados!

Hölderlin, segundo ouço, regressou. Aqui ainda não o vimos[59]. Renz é vigário em Maulbronn, agora, tanto quanto sei, em melhor e mais satisfatória situação. Começou agora a escrever de quando em vez. Quisesses tu enviar-lhe uma carta por mim, sei que isso o alegraria sobremaneira. – Hauber – com o tempo, por certo um grande matemático – envereda pelo caminho que se pode esperar de uma tal cabeça. – O Philosophisches Journal de Niethammer está já publicado: contém em parte excelentes ensaios. – Ele pediu-me contributos; na 5ª secção – se puderes ler o jornal –, encontrarás umas cartas filosóficas da minha autoria[60].

Para ti e para Mögling (porque não diz ele nada? Por aqui, diz-se que regressará), muitos cumprimentos de todos os conhecidos.

Espero que não me faças pagar a longa demora da minha resposta. Adeus, caro amigo.

 

                                                                                                                                                                                                                                            O teu Sch.

 

 

 

 

8. HEGEL A SCHELLING, 30 DE AGOSTO DE 1795

 

 

 

Tschugg bei Erlach über Bern, 30 de Ag. 95.

 

 

Os presentes[61] que me enviaste, meu caro, tal como a tua carta, proporcionaram-me a mais vívida alegria e valeram-me o mais abundante prazer, e por isso estou-te sobremaneira agradecido. É-me impossível escrever-te tudo o que senti e pensei na ocasião.

O teu primeiro escrito, o tentame de estudar os Grundlage de Fichte, e em parte as minhas próprias noções, colocaram-me em posição de penetrar no teu espírito e seguir o curso deste, muito mais do que eu próprio estava em condições [de o fazer] aquando do teu primeiro escrito [–] o qual, porém, é agora esclarecido pelo segundo. Em tempos, estive a ponto de explicitar num ensaio o que poderia significar aproximar-se de Deus, e cria encontrar aí o cumprimento tanto do postulado segundo o qual a razão prática ordena sobre o mundo dos fenómenos, como dos restantes postulados. O que se me afigurava obscuro e rudimentar, clarificou-o o teu escrito do modo mais notável e satisfatório. Por minha parte, agradeço-te, e o mesmo fará todo aquele que sente no coração o bálsamo das ciências e o melhor do mundo, se não agora, com o tempo. – O que tornará difícil que sejas compreendido e o acesso às tuas considerações, será sobretudo, imagino, que as pessoas simplesmente não quererão abdicar do seu Não-Eu. Eles temem o esclarecimento num respeito moral, e a luta em que pode incorrer o seu confortável sistema de comodidade. No sentido teorético, aprenderam por certo com Kant que a anterior prova, a prova ontológica, etc. da imortalidade não é sustentável (eles tomaram-na pela descoberta de uma ilusão artificial, pág. 17 do teu escrito), mas ainda não compreenderam que o insucesso de tais aventuras da razão e do seu voo sobre o Eu se funda na sua própria natureza. Por isso é que nada se alterou entre eles, por exemplo, mesmo no tratamento das propriedades de Deus; apenas o fundamento foi estabelecido de modo diferente, e estas propriedades de Deus (como é dito a dada altura dos nosso Lebensläufer) são ainda e sempre a gazua com que estes senhores abrem tudo. Se nem mesmo a pág. 103 do teu livro lhes proporcionar a compreensão disto (pois até para fazerem estas chaves eles são demasiado indolentes; tem de se lhes declamar tudo totidem verbis), então são capita insanabilia.

Pode até ser digno de respeito noutros âmbitos, o censor do teu primeiro escrito no Tübinger Gelehrten Zeitung[62]; mas crer divisar nele um princípio objectivo como o [princípio] supremo, não mostrou porém nenhuma profundidade de sentido – deve ser por certo Abel[63]. Já o infame censor nos Philosophischen Annalen, de Jakob[64], trataste-o como ele merecia. Jakob quer porventura tornar-se um paladino também na filosofia fichteana, tal como Eberhard[65] na kantiana, [mas] as suas revistas, tão pomposamente anunciadas, terão o mesmo destino.

As turvas perspectivas a que votas a filosofia na tua carta encheram-me de melancolia.

 

[…][66]

 

Sobre as consequências que a incompreensão dos teus princípios poderia ter para ti, revelaste-te sublime. Em silêncio, lançaste a tua obra no tempo infinito; aqui e ali ser alvo de troça – isso, bem o sei, é algo que desprezas. Mas em relação a outros que vacilam perante os resultados, é como se o teu escrito nunca tivesse sido coligido. Ao teu sistema, está reservado o destino de todos os sistemas daqueles homens cujo espírito precedeu a crença e os preconceitos do seu tempo. Estes foram difamados, e refutados a ponto de serem expulsos do seu sistema; e, no entanto, a cultura científica prosseguiu silenciosamente o seu curso, e, no espaço de cinquenta anos, a turba, que apenas se deixa levar pela corrente do seu tempo, descobriu com assombro que as obras que, no seio da polémica, de ouvir dizer, aprendera a ver como contendo erros há muito refutados – essas obras afiguram-se-lhes agora, sempre que com elas casualmente se deparam, como contendo o sistema vigente no seu tempo. A este respeito, ocorre-me um juízo que um repetente proferiu sobre ti no Verão passado; ele disse-me que eras demasiado esclarecido para este século, e que no próximo os teus princípios encontrarão o seu lugar. Com respeito a ti, este juízo parece-me insípido, mas característico daquele que o proferiu e de toda a grande classe daqueles que não tomam por bom que nos elevemos sobre a linha do esclarecimento que vigora na sua época, no seu círculo e no seu Estado, ou sobre o nível geral, antes nutrem a cómoda esperança de que tudo virá com o tempo, e que então terão ainda tempo suficiente para dar um passo em frente; ou antes, têm a esperança de ser levados pela corrente. Pois bem, levantem as pernas, meus senhores!

O espírito que o anterior governo ameaçava incutir, reconheci-o na tua descrição; ele funda-se na hipocrisia e na pusilanimidade (uma consequência do despotismo), e é ele próprio pai da hipocrisia: no fundo, [ele é] o espírito que tem de vir a vigorar em toda a constituição pública que tenha o assomo quimérico de querer verificar tudo pormenorizadamente, e tomar a virtude e a piedade como padrão de avaliação do mérito e da distribuição dos cargos. Sinto-o intimamente, quão lamentável é uma situação em que o Estado queira descer às sagradas profundezas da moralidade, e a queira orientar; tal é lamentável, ainda que a intenção do Estado fosse boa, mas infinitamente mais triste [o é] quando este cargo directivo cai nas mãos de hipócritas, o que tem de acontecer, ainda que a intenção inicial fosse boa. Este espírito parece ter tido influência também sobre a selecção do vosso corpo de repetentes, o qual, se fosse composto por cabeças bem organizadas, poderia dar azo a muito de útil. 

Observações sobre o teu escrito[67], não podes esperá-las de mim. Sou aqui um mero aprendiz; estou a tentar estudar os Grundlage de Fichte. Permite-me uma observação que me ocorreu, para que pelo menos vejas que é com boa vontade que satisfaço o teu desejo de que partilhe contigo observações. No § 12 do teu escrito, conferes ao Eu o atributo de substância única; [mas] se substância e acidente são conceitos alternantes, então parece-me que o conceito de substância não deve ser aplicado ao Eu absoluto, mas sim ao Eu empírico, tal como ele se manifesta na consciência de si. Mas que não te referias a este Eu (que unifica a tese e a antítese supremas), fez-mo crer o § anterior, onde atribuis indivisibilidade ao Eu, um predicado que só deveria ser conferido ao Eu absoluto, e não ao Eu como ele se manifesta na consciência de si, na qual ele só se manifesta pondo-se como uma parte da sua realidade.

O que te poderia escrever sobre a tua disputação, seria para testemunhar a minha alegria pelo mais livre espírito da superior crítica que aí vive, o qual, como só poderia esperar de ti, não é corrompido pela venerabilidade de nomes, visa o todo e não toma palavras por sagradas –, e congratular-te pela tua sagacidade e erudição. – Sobretudo, vi aí confirmada uma suspeita que há muito levantara, [a saber,] que talvez tivesse sido mais honroso para nós e para a humanidade se, em vez de o sistema ortodoxo ter conservado a supremacia, uma qualquer heresia proscrita por concílios e símbolos, fosse ela qual fosse, tivesse prosperado enquanto um sistema de fé público.

Fichte dá-me pena; copos de cerveja e adagas de compatriotas resistiram pois à força do seu espírito; talvez ele tivesse empreendido mais se os tivesse deixado na sua rudeza, e se tivesse proposto educar um pacato e selecto grupinho. Mas não deixa de ser vergonhoso, o tratamento a que foi votado, ele e Schiller, por aspirantes a filósofos. Meu Deus, que pedantes e escravos há ainda entre estes!

O Jornal de Niethammer, espero recebê-lo todos os dias, e os teus contributos alegram-me especialmente. O teu exemplo e os teus esforços encorajam-me uma vez mais a, tanto [quanto] possível, prosseguir com a formação dos nossos tempos.

            Hölderlin, segundo ouço, esteve em Tübingen[68]. Por certo terão passado horas agradáveis um com o outro; como gostaria de ter sido o terceiro homem entre vós!

Dos meus trabalhos, não vale a pena falar; dentro de algum tempo, talvez te envie o plano de algo que tenciono trabalhar, ocasião em que, com o tempo, solicitarei a tua cordial ajuda, sobretudo na disciplina da história da igreja, onde sou muito fraco e onde melhor poderei obter conselho teu.

Uma vez que em breve deixarás Tübingen, tem a bondade de me informar quanto antes sobre o que visas empreender e o local da tua futura morada, bem como de todos os teus desígnios. Sobretudo poupa a tua saúde, por amor a ti e aos teus amigos; não sejas demasiado avaro com o tempo que tens de despender com a convalescença! Cumprimenta calorosamente os meus amigos. Da próxima vez, confiar-te-ei uma carta para Renz; talvez delongue a partida deste. Ainda assim, manda-lhe calorosos cumprimentos da minha parte, se lhe escreveres! Adeus, responde-me quanto antes! Não imaginas quão bem me faz, de tempo a tempo, na minha solidão, ouvir algo de ti e dos meus outros amigos.

 

 

 

                                                                                                          O teu Hgl.

 

 

 

 

9. SCHELLING A HEGEL, JANEIRO DE 1796

 

 

 

            Meu caro!

 

            Enfim volto a escrever-te, e a dar notícia da minha existência. Por certo perdoarás que durante tanto tempo tenha descurado a nossa correspondência, se te disser que só queria voltar a escrever-te quando pudesse dar notícias fiáveis sobre a minha futura residência. Esta, porém, permaneceu indeterminada até Novembro do ano passado. Desde então estou aqui, em casa do Prof. Ströhlin[69], como preceptor de dois barões v. Riedesel[70]. Só que encontrei aqui tão múltiplas – e, em parte, totalmente novas – ocupações, e estive até agora tão indeciso quanto à conservação do posto, que não podia nem queria escrever-te. Aceitei a posição porque me fora prometido de modo totalmente incondicional uma viagem a França e a Inglaterra, na qual eu deveria acompanhar os dois jovens. Mas assim que estava para a empreender, foram acrescentadas como condições que a coroa fosse restabelecida na França!!, e que se firmasse paz com a Inglaterra. Todas as minhas belas esperanças em uma tal viagem estão agora, na sua maior parte, extintas. Mas, gradualmente, percebo que tenho de estar contente, [pois] pelo menos nesta ocasião saí de Württemberg. Na próxima Primavera devo acompanhá-los a Leipzig – e se resistir ao curso do estudo destes (o qual, porém, não deverá durar muito), aos principiales cours de l’Allemagne!!, e então – sob as condições acima mencionadas – continuarei a acompanhá-los. Estou agora decidido a acompanhá-los pelo menos até Leipzig[;] isto, se, num encontro pessoal, os seus tutores[71] me não fizerem exigências que não posso cumprir, e que se deixam adivinhar sobejamente pelas perguntas que aqui e ali sobre mim são colocadas, se sou democrata, homem das luzes, iluminado, etc. Neste caso, porém, estou pelo menos fora de Württemberg, e decidido a estabelecer-me durante algum tempo por minha conta no estrangeiro, e – se tal for possível – a servir a boa causa através de trabalhos públicos. O meu plano visa especialmente Hamburgo.

Se me quiseres responder para aqui, caro amigo, peço-te que o faças imediatamente, pois parto daqui no fim de Fevereiro[72]. Logo que me estabeleça em qualquer lugar, voltarás a receber notícias minhas. Perdoa-me que tenha falado de mim durante tanto tempo. É tempo de perguntar também por ti.

Por certo, caro amigo, não tens estado inactivo. Não executaste entretanto nada do teu plano? Sempre esperei encontrar em qualquer parte algo dos resultados das tuas investigações. Ou tens tu algo maior entre mãos que exige tempo, e com o qual queres surpreender de uma vez os teus amigos? Com efeito, julgo dever exigir de ti que também tu te associes publicamente à boa causa. Ela tem mais amigos e defensores do que ousei esperar na minha última carta. Tudo depende de jovens, decididos a tudo ousar e empreender, se unirem para de diferentes ângulos operarem a mesma obra, para não por um caminho, antes por diferentes caminhos irem ao encontro do objectivo, mas por todo o lado concordarem em agir comunitariamente, e a vitória está conquistada. Tudo me é demasiado exíguo aqui – no nosso país de padres e escritores. Quão feliz serei, se um dia respirar ares mais livres. Só então me será concedido pensar em planos de mais ampla actividade, se os puder executar, e contigo, amigo – contigo posso por certo contar?

O senhor Klett, que a par de dois senhores von Pr[?]está comigo na referida casa, disse-me que te encontras bem, e que fez contigo uma pequena viagem. Em Lausanne foi publicada uma disputação filosófica de um bernense – de seu nome Zehnter[73] –, uma disputação que, pelo menos para aquela região, tem de ser singular. Sem dúvida que a terás lido; talvez pudesses enviar-me também a mim um exemplar desta. – Já leste o Journal de Niethammer? Para os teus trabalhos, talvez também as Philosophischen Briefe über Dogmatismus und Kritizismus (cuja continuação seguirá em breve) tenham algum interesse. Saúde, mil vezes saúde. Espero que, com os teus desejos de prosperidade, me acompanhes no primeiro voo para fora da pátria!

Muitos cumprimentos de Süskind, que aqui – ferve como preceptor. Também de Pfister[74], item preceptor aqui. Saúda Mögling, que há-de passar o Inverno de modo deveras epicureano – na sua aldeiazinha.

Que Hölderlin está em Frankfurt, sabê-lo-ás[75].

 

 

 

                                                                                                          O teu Sch.

 

 

 

 

10. SCHELLING A NIETHAMMER, 22 DE JANEIRO DE 1796

 

 

 

Estugarda, 22 de Jan. de 1796

 

 

Enfim logro enviar a Vossa Excelência a conclusão das Cartas Filosóficas[76], que por certo teria recebido mais cedo, não tivesse o completamento destas até agora sido impedido pela total alteração da minha situação, e pelas ocupações heterogéneas a que tive de me submeter. Com efeito, desejo agora que elas sejam impressas tão brevemente quanto possível. Mas mais ainda, desejo ouvir o seu juízo também sobre a 2ª secção [destas]. A alegria que expressou aquando das primeiras cartas foi para mim deveras agradável. Visto que no próprio ensaio é feita uma distinção entre dogmatismo e dogmaticismo, aproveito para pedir a V. Excelência que cuide que esta palavra seja sempre impressa exactamente como está escrita no manuscrito. Este pedido, leva-me a fazê-lo a constatação de que na primeira secção está impresso por todo o lado dogmaticismo. Se fosse possível que também da segunda secção me fossem feitas algumas impressões especiais, e se tivesse a bondade de enviar tudo junto para aqui, obrigar-me-ia a nova e grande gratidão. Justamente por esta razão, desejo também que a segunda remessa seja impressa de uma vez só, e que antes seja poupada para uma posterior edição, do que seja desmembrada.

Perdoe-me se o estou a importunar com uma tal série de pedidos.

O seu repto para [escrever] uma recensão sobre a Wissenschaftslehre de Fichte, aceito-o com tanto maior prazer, pois, até agora, eu próprio não tive tempo suficiente para estudar verdadeiramente esta obra. Até agora, não li sequer a parte prática da mesma; por conseguinte, o seu juízo favorável ser-me-ia por demais benéfico – como se me tivesse familiarizado completamente com a filosofia de Fichte. Não obstante, creio ter apreendido o espírito desta em geral, ainda que por ora conheça muito pouco o detalhe e a letra da Wissenschaftslehre. Por conseguinte (e especialmente porque, a esta, acrescem agora outras ocupações e dispersões diárias), só posso aceitar o seu repto na condição de que me conceda para isso um prazo de cerca de dois meses.

A sua cordial indagação quanto à minha actual situação, sei estimá-la com apreço, como prova da sua benevolência. Estou aqui em Estugarda desde Novembro do ano passado, na condição de futuro orientador e supervisor de dois Barões v. Riedesel, na casa do Sr. Prof. Ströhlin. Até agora, esta situação pouco tem de agradável para mim, pois uma grande parte do meu tempo, é como se o desse por perdido. Todavia, sujeitei-me a este incómodo na esperança de por ele ser compensado no futuro. Na próxima Primavera acompanhá-los-ei a Leipzig, e se lá permanecer durante o período de estudo destes, em outras viagens – talvez à Inglaterra, e, se é que na França a coroa há-de ser restabelecida, também aí! Por ora, apenas posso contar ao certo com uma viagem a Leipzig. Para além disso, temo que, com respeito à educação, me farão ainda exigências que são simplesmente contrárias aos meus princípios. Neste caso, antes renunciaria àquilo do que a isto. – O meu plano é, neste caso, frequentar às minhas próprias custas uma universidade alemã (Göttingen ou Jena). Mas sou tão pouco instruído na arte de me sustentar com poucos custos, e com proveito – o que é o mais importante –, que em todo o caso agradeceria algum conselho a este respeito. Os meus planos futuros são até agora muito indefinidos, e por ora – tal como o plano de vida de qualquer ser racional –, não visam senão uma existência independente e livre. Onde a encontrar, aí é a minha pátria. O seu lisonjeiro juízo sobre a minha vocação é para mim mais do que apenas lisonjeiro, pois, mediante esta vocação, deveria esperar alcançar aquele fim ainda mais do que por um outro caminho. Estou decidido a dedicar-me durante algum tempo, e em grande parte, à filosofia. Os meus seguintes empreendimentos são um sistema de ética (um contra-ponto a Spinoza, uma obra cuja ideia há muito me entusiasma e que já comecei[77]) – uma filosofia da história da humanidade[78] (a introdução desta está pronta: se lhe quiser conceder um lugar no Phil. Journal, ela está às suas ordens) – e uma interpretação da Crítica da Faculdade de Julgar segundo princípios meus[79]. – Mas não abandonei a teologia, a história e as línguas. Prova disto é que terei todo o gosto em lhe enviar um ensaio académico na disciplina da teologia[80]. – (Se pudesse promovê-la a recensão na A.L.Z., tal ser-me-ia muito agradável por diversas razões. – Afinal, quando virá à linguagem a nova filosofia?) –

Bem vê, venerável Sr. Professor, que os meus planos são até agora muito indefinidos, e que faço depender uma mais exacta definição dos mesmos da contingência, ou do conselho e do apoio de bons amigos. Se, em todo o caso, tivesse a bondade de partilhar comigo algum bom conselho – sobretudo sobre o plano de frequência de universidades alemãs –, granjearia em mim novo mérito. Mas, neste caso, tenho de lhe pedir que o faça quanto antes, pois viajarei daqui no início de Março.

Perdoe a minha escrita célere e sem regra. Tive de me apressar para ainda fazer chegar o pacote aos correios.

Recomendo-me à sua constante benevolência, e, com a mais plena reverência, tenho a honra de ser

 

                                              

                                               O seu ilustre e obediente servo

Schelling

 

 

 

 

 

11. HÖLDERLIN A NIETHAMMER, 24 DE FEVEREIRO DE 1796

 

 

 

            Meu venerável amigo!

 

 

            Adiei de um dia para o outro, dar-te notícias minhas. Em boa verdade, ainda adiaria mais a carta que te devo, se por ti não fosse advertido da minha promessa. Fizeste-o de modo tão delicado, que estou verdadeiramente envergonhado. Perguntas-me como me sinto na minha nova situação, e se em breve concluirei os ensaios que te prometi escrever ainda em Jena.

As novas condições em que agora vivo são as melhores que se possa pensar. Tenho muito vagar para o meu próprio trabalho, e a filosofia quase se tornou uma vez mais a minha única ocupação. Comecei a trabalhar Kant e Reinhold, e espero reunir e revigorar neste elemento o meu espírito, o qual se dispersara e enfraquecera por força de preocupações estéreis das quais também tu foste testemunha.

            Mas o eco de Jena ressoa ainda com demasiado vigor em mim, e a lembrança exerce ainda demasiada violência, para que o presente me possa ser salutar. Diferentes linhas entrelaçam-se na minha cabeça, e não consigo desenredá-las. Para um trabalho contínuo e extenuante como aquele que é exigido pelo constante ofício filosófico, não estou ainda suficientemente composto.

            Sinto falta da tua companhia. Ainda hoje és o meu mentor filosófico, e o teu conselho para que me protegesse das abstracções é-me hoje tão caro quanto antes, quando nelas me deixava enredar por estar em desacordo comigo próprio. A filosofia é uma tirana, e antes tolero a sua coerção do que a ela me submeto de livre vontade.

            Nas cartas filosóficas, quero encontrar o princípio que me explique as divisões em que pensamos e existimos, mas que seja também capaz de fazer desaparecer o conflito, o conflito entre o sujeito e o objecto, entre o nosso Si e o mundo, até entre razão e revelação – teoreticamente, na intuição intelectual, sem que a nossa razão prática tenha de vir em auxílio. Carecemos para isso de sentido estético, e intitularei as minhas cartas filosóficas Neue Briefe über die ästhetische Erziehung des Menschen[81]. Aí, transitarei também da filosofia para a poesia e a religião.

            Schelling, que vi antes da minha partida[82], está feliz por colaborar no teu jornal e por ser por ti introduzido no mundo erudito. Nem sempre estivemos de acordo um com o outro, mas concordámos que as novas ideias podem ser expostas de modo mais claro sob a forma de cartas[83]. Ele percorre agora com as suas novas convicções um caminho melhor, antes que chegasse ao objectivo pelo pior. Dá-me o teu juízo sobre as suas coisas mais recentes.

Recomenda-me a todos quantos me recordam como amigo, e concede-me a tua amizade, que me é tão cara. Seria para mim a maior recompensa, se em breve te pudesse alegrar com frutos cujo amadurecimento possa dizer que foi promovido pelo teu cuidado e paciência. 

 

 

                                                                                                          O teu Hölderlin

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

Fichte, Johann Gottlieb (1971), Fichtes Werke, 11 Bde., hrsg. von Immanuel Hermann Fichte, Walter de Gruyter, Berlin.

 

Frank, Manfred (Hrsg.) (1975), Materialien zu Schellings philosophischen Anfängen, Suhrkamp, Frankfurt am Main (MSpA).

 

Fuchs, Erich; Lauth, Reinhard; Schieche, Walter (Hrsg.) (1978), Fichte im Gespräch (6 Bde.), Frommann-Holzboog, Stuttgart-Bad Cannstatt (FiG).

 

Hegel, G. W. F. (1968 ff.), Gesammelte Werke, hrsg. von Friedhelm Nicolin u. Gisela Schüler, Meiner, Hamburg. (GW).

 

Hegel, G. W. F. (1970), Briefe von und an Hegel (3 Bde.), hrsg. von Johannes Hoffmeister, Akademie-Verlag, Berlin (BrHeg).

 

Hölderlin, Friedrich (1975 ff.), Sämtliche Werke «Frankfurter Ausgabe», hrsg. von
D. E. Sattler, Stroemfeld Verlag, Frankfurt am Main (FHA).

 

Hölderlin, Friedrich (1995), Sämtliche Werke und Briefe (4 Bde.), hrsg. Günter Mieth, Aufbau-Verlag, Berlin (SWB).

 

Philosophisches Journal einer Gesellscahft teutscher Gelehrten (1795-1800), hrsg. von F. I. Niethammer und J. G. Fichte, bey Christian Ernst Gabler, Jena u. Leipzig.

 

Schelling, F. W. J. (1976 ff.), Historisch-kritische Ausgabe, im Auftrag der Schelling-Kommission der Bayerischen Akademie der Wissenschaften, hrsg. von Jörg Jantzen, Thomas Buchheim, Jochem Hennigfeld, Wilhelm G. Jacobs und Siegbert Peetz, 40 Bde, Frommann-Holzboog, Stuttgart (AA).

 

Schelling, F. W. J. (1985), Ausgewählte Schriften in 6 Bänden, hrsg. von Manfrd Frank, Suhrkamp, Frankfurt am Main (AS).

 

Plitt, Gustav Leopold (1869), Aus Schellings Leben in Briefen, G. Hirzel, Leipzig.

 

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[1] Fernando M. F. Silva, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Endereço electrónico: fmfsilva@yahoo.com

[2] Carta de Hölderlin a Schelling, Julho de 1799; Carta de Schelling a Hölderlin, 12 de Agosto de 1799.

[3] Sobre o tema, conferir Dieter Henrich, «Die Tübinger Dogmatik: Storr und Flatt», in Grundlegung aus dem Ich. Untersuchungen zur Vorgeschichte des Idealismus. Tübingen – Jena (1790-1794), Bd. 1, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2004.

[4] F. H. Jacobi, Über die Lehre des Spinoza in Briefen an den Herrn Moses Mendelssohn, Breslau, 1785.

[5] Exemplo disto é um dos dois Specimina de Schelling, intitulado «Über die Übereinstimmung der Critik der theoretischen und praktischen Vernunft, besonders in Bezug auf den Gebrauch der Categorien, und der Realisierung der Idee einer intelligibeln Welt durch ein Factum in der letzteren», 1792.

[6] Karl Friedrich, filho deste, relata aliás que o pai coligira várias destas colectâneas, em específico uma colectânea dos mitos de Platão, “que traduzira em parte do original”. Cf. AA, I.I: 51; ou Plitt, SLB I: 29.

[7] O outro dos Specimina de Schelling, intitulado «Möglichkeit einer Philosophie ohne Beinamen, nebst einigen Bemerkungen über die Reinholdische Elementarphilosophie», 1792.

[8] São várias as versões sobre a real origem do princípio absoluto em Fichte. As cartas de Fichte a Flatt e Stephani, entre Novembro e Dezembro de 1793, são desde logo esclarecedoras, mas a estas juntamos também palavras de Baggesen, datadas de 7 de Dezembro de 1793, e que situam essa descoberta nos primeiros dias de Dezembro, porventura nos últimos de Novembro desse ano. (vd. FiG, 1, 67-68).

[9] Sobre o tema, conferir Dieter Henrich, Grundlegung aus dem Ich, 1. Band, Frankfurt am Main: Suhrkamp 2004, e Immanuel Carl Diez, Briefwechsel und kantische Schriften, Hrsg. Dieter Henrich, Stuttgart: Klett-Cotta, 1966. 

[10] Refiro-me a «Die Metrische Fassung», «Die Vorletzte Fassung», ou os «Paralipomena».

[11] Embora Niethammer nunca viesse a abandonar verdadeiramente o pensamento teológico, também nele se nota porém uma transição de preocupações exlusivamente teológicas, para outras teológico-filosóficas. Prova disto é que às suas primeiras obras ou ensaios, a saber, De vero revelationis fundamento (1792) (a sua dissertação), ou Über den Versuch einer Kritik aller Offenbarung (1792), sucedem-se obras mais marcadamente filosóficas, como por exemplo «Versuch einer Ableitung des moralischen Gesetzes aus der Form der reinen Vernunft» (1793), ou Über Religion als Wissenschaft (1795); isto, já para não falar dos seus muito importantes ensaios no primeiro volume do Philosophisches Journal, em 1795, os quais, a par dos anteriores escritos, não podiam ser desconhecidos de nenhum dos três amigos do Stift. 

[12] De salientar que, em Janeiro de 1795, Hölderlin encontra ainda Hegel tratando «conceitos de religião» (Peça 4); isto, quando Hölderlin e Schelling há muito estudavam abertamente filosofia.

[13] Carta de Hölderlin a Hegel, 10 de Julho de 1794: «Foste amiúde o meu génio. Estou-te muito grato. Só agora o sinto plenamente desde que nos separámos.» (SWB, 4, 149)

[14] Sobre o tema, cf. Christoph Jamme, Otto Pöggeler (eds.), Homburg vor der Höhe in der deutschen Geistesgeschichte. Studien zum Freundeskreis um Hegel und Hölderlin, Klett-Cotta, 1999.

[15] De entre estes, salientamos sobretudo os fragmentos «[Über die Verfahrungsweise des poetischen Geistes]» e «Grund zum Empedokles».

[16] Refiro-me, entre outros, ao fragmento «Über das Alles». Sobre a temática, cf. Dieter Henrich, Christoph Jamme (eds.), Jakob Zwillings Nachlass. Eine Rekonstruktion. Bonn: Bouvier Verlag, 1986.

[17] Referência a «Über Mythen, historische Sagen und Philosopheme der ältesten Welt», texto de Schelling publicado em Memorabilien. Eine philosophisch theologische Zeitschrift der Geschichte und Philosophie der Religionen, dem Bibelstudium und der morgenländischen Literatur gewidmet, de. H.E.G. Paulus, Nº 5. Leipzig, 1793, p. 1-68.

[18] Referência a «Historische Briefe aus Paris über die Begebenheiten in Frankreich», in: Minerva, ein Journal historisch-politischen Inhalts, J. W. v. Archenholz, Jg. I (1792), pp. 284 ss. Assinado com as iniciais C. E. O [Konrad Engelbert Oelsner (1764-1828)].

[19] Karl Fr. Reinhard (1769-1840), político em serviço na França.

[20] Karl C. Renz (1770-1829), primus da promocão de Hölderlin e Hegel, tido pelos seus pares como um muito talentoso, senão o mais talentoso pensador da sua geração em Tübingen. Faltaria deliberadamente ao exame final da sua promoção, a 4 de Outubro de 1793, episódio e subsequente «desgosto» a que aqui se refere Hegel.

[21] Referência a Gottlob Christian Storr, Professor de Teologia dos três companheiros em Tübingen, e defensor do supernaturalismo bíblico, e à sua obra Annotationes quasdam theologicas ad philosophicam Kantii de Religione doctrinam, Tübingen, 1793.

[22] J. Gottlob Süsskind, irmão de Johann Gottlieb Süsskind (este repetente em Tübingen, e ele próprio outrora aluno de Gottlob Christian Storr).

[23] K. Fr. Kapff (1772-1838). Companheiro de Schelling.

[24] F. H. W. Mögling, companheiro de promoção de Hegel e Hölderlin.

[25] Oberdeutschen Allgemeinen Litteratur-Zeitung (1788-1811).

[26] J.D. Mauchart, Allgemeines Repertorium für empirische Psychologie und verwandte Wissenschaften, Nürnberg, 1792.

[27] Grego, aridez, secura.

[28] Com respeito à prévia ocupação de Schelling com «investigações históricas sobre o Antigo e o Novo Testamento», sublinho apenas «De Malorum Origine», de 1792 (AA, I.I: 103-147), e “Über Mythen, historische Sagen und Philosopheme der ältesten Welt”, de 1793 (AA, I.I: 193-246).

[29] Comparem-se estas palavras com outras, de autor incerto, no pequeno fragmento programático «Das älteste Systemprogramm des deutschen Idealismus» (1796 ou 1797), em que se diz: «Da die ganze Metaphysik künftig in die Moral fällt – wovon Kant mit seinen beiden praktischen Postulaten nur ein Beispiel gegeben, nichts erschöpft hat –, so wird diese Ethik nichts anderes als ein vollständiges System aller Ideen (...) sein.» (MSpA, 110-112)

[30] Schelling refere-se à segunda visita de Fichte a Tübingen, a 2 de Maio de 1794. A primeira dera-se entre 11 e 13 de Junho de 1793.

[31] Uma das páginas da carta seria rasgada, não chegando até nós.

[32] J. G. Fichte, Grundlage der gesammten Wissenschaftslehre als Handschrift für sein Zuhörer, Jena, 1794. O «início» talvez se refira à primeira parte desta obra.

[33] Allgemeine Literatur Zeitung, ed. C. G. Schütz e G. Hufeland. Schelling refere-se aqui ao Nº 113 (1 de Outubro de 1794).

[34] Schelling remete aqui para a sua própria obra Vom Ich als Princip der Philosophie, na qual trabalharia entre Janeiro e Março de 1795. Compare-se com este objectivo as últimas palavras do Prefácio à Primeira edição da obra: «(...) und hoffen darf ich es, daβ mir noch irgend eine glückliche Zeit vorbehalten ist, in der es mir möglich wird, der Idee, ein Gegenstück zu Spinozas Etik aufzustellen, Realität zu geben.» (AS, 1, 49).

[35] J. G. Fichte, «Zurückforderung der Denkfreiheit von den Fürsten Europens, die sie bisher unterdrückten. Eine Rede.» Heliopolis, im letzten Jahre der alten Finsterniβ, 1793.

[36] A carta, cujo resto se perdeu, termina aqui.

[37] A bem da completude, de referir que estas palavras encontram prova não só em prévia produção de índole teológico-filosófica, que Hegel vinha compondo desde 1793, como também em fragmentos da altura, a saber, «Zur Psychologie und Transzendentalphilosophie» (GW, 1, 165-192), «Die transcendentale Idee...» (id., 195-196) ou «Unkunde der Geschichte...» (ibid., 197-202), todos datados entre fim de 1794 e os primeiros meses de 1795. 

[38] J. G. Fichte, Versuch einer Critik aller Offenbarung, Königsberg, 1792.

[39] Cf. Carta a Neuffer, Novembro de 1794.

[40] J. G. Fichte, Einige Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehrten, Jena und Leipzig, 1794.

[41] A crítica hölderliniana, é sabido, não se resumiria a esta enunciação, antes repercutir-se-ia, no mesmo tom, mas por palavras algo diferentes, no seu fragmento teórico «Urteil und Sein», de 1794/1795 (FHA, 17, 149-156), e num outro, entre outros trabalhos dispersos devotados ao Hyperion, intitulado «Die Vorletzte Fassung» (FHA, 10, 276-277). A bem da completude, de mencionar que esta importante carta a Hegel é coligida entre os trabalhos da «Metrische Fassung» de Hyperion, fim de 1794, início de 1795 (FHA, 20, 61-73), e o fragmento «Über den Begriff der Strafe», de Janeiro ou Fevereiro de 1795 (FHA, 17, 137-148).

[42] Página rasgada.

[43] K. L. Reinhold, Versuch einer neuen Theorie der menschlichen Vorstellungsvermögen, Jena, 1789.

[44] Uma vez mais, este passo deixa-se reconduzir a Vom Ich (1795), e pode ser quase integralmente citado do penúltimo parágrafo do Prefácio à Primeira edição desta obra.

[45] Cf. F. H. Jacobi, in: Über die Lehre des Spinoza in Briefen an Herrn Moses Mendelssohn, Breslau 1795, p. 22; mas também a transcrição que deste passo faz Hölderlin em «Zu Jakobis Briefen über die Lehre des Spinoza», de 1791 (FHA, 17, 85 -112).

[46] F. W. J. Schelling, «Über die Möglichkeit einer Form der Philosophie überhaupt», Tübingen, 1794. Schelling compusera o pequeno, mas muito importante escrito entre Maio e Setembro de 1794.

[47] O acima referido «Über die Möglichkeit einer Form der Philosophie überhaupt», Tübingen, 1794.

[48] Th. G. von Hippel, Lebensläufe nach aufsteigender Linie, Berlin, 1778, III, p. 200.

[49] Johann Fr. Cotta (1764-1832), editor alemão.

[50] Friedrich Schiller, Briefe über die ästhetische Erziehung des Menschen, in: Horen, T. I, Nº 1 e 2; T. II, Nº 6, Tübingen, 1794.

[51] Entre 1795 e 1800, o Jornal Filosófico, de seu nome completo Philosophisches Journal einer Gesellscahft teutscher Gelehrten, foi um dos principais órgãos de comunicação do pensamento da época. Para além disso, teve nos seus dois co-editores (um originário, F. I. Niethammer, e um mais tardio, o próprio J. G. Fichte), dois representantes dos dois principais modos de pensar filosófico de então: a chamada filosofia por princípios, de índole fichteana, e os seus opositores, entre os quais se contariam não só Niethammer, mas também J. P. A. Feuerbach, Novalis, Hölderlin, F. K. Forberg, J. B. Erhard, entre muitos outros. Muitos destes, aliás, escreveriam no próprio Jornal, fazendo deste um dos mais importantes testemunhos de um diálogo que visava resolver a questão do filosofar sobre a filosofia, e da capacidade da própria filosofia de alcançar o incondicionado, o absoluto.   

[52] Karl Fr. Hauber (1775-1851), colega de Schelling no Stift deTübingen.

[53] Friedrich Eugen von Württemberg, 14º Duque de Württemberg, governou entre 1795 e 1797, até à sua morte. Irmão do seu antecessor, Ludwig Eugen von Württemberg.

[54] A saber, a sua dissertação em teologia, defendida a 27 de Julho de 1795: «De Marcione Paullinarum epistolarum emendatore».

[55] Vom Ich als Prinzip der Philosophie oder über das Unbedingte im menschlichen Wissen, Tübingen, 1795, obra que fora publicada em Maio ou Junho desse mesmo ano.

[56] Sobre esta situação, cf. Fichte im Gespräch, Vol. 5, pp. 251-256, ou Vol. 1, pp. 280-05.

[57] Schelling refere-se aos Annalen der Philosophie und des philosophischen Geistes von einer Gesellschaft Gelehrten Männer (1795-1797) de Ludwig Heinrich Jakob.

[58] Johann Gottlieb Fichte, Beitrag zur Berichtigung der Urtheile des Publikums über die französische Revolution, 1793.

[59] Alguns dias depois, porém, Schelling e Hölderlin viriam de facto a encontrar-se, no que seria apenas o primeiro de três encontros de grande relevância filosófica e teórica para ambos os amigos, mas especialmente para o mais jovem Schelling (uma influência que não tardaria a ser sentida na escrita do jovem filósofo de Leonberg, sobretudo a partir da segunda parte das suas Cartas Filosóficas). 

[60] F. W. J. Schelling, Philosophische Briefe über Dogmatismus und Kriticismus, 1795. Schelling coligira as primeiras quatro cartas filosóficas entre Abril e Junho/Julho desse ano. 

[61] Referência a «De Marcione» e Vom Ich.

[62] Tübingische Gelehrte Anzeigen, 1795, nº 12, 9 de Fevereiro.

[63] Jacob Friedrich Abel (1751-1829), Professor de filosofia em Tübingen.

[64] Com o «infame censor», refere-se Hegel a um autor anónimo, autor de recensões violentas contra os Grundlage de Fichte e «Über die Möglichkeit einer Form der Philosophie überhaupt», de Schelling.

[65] Johann August Eberhard (1739-1809), defensor da tradição leibniz-wolffiana, e editor do Philosophisches Magazin (1787-1795) e do Philosophisches Archiv (1793-1795), órgãos de cariz marcadamente anti-kantiano.

[66] Página rasgada.

[67] Referência a Vom Ich (1795).

[68] Cf. a nota 43.

[69] Fr. Jakob Ströhlin, Professor em Stuttgart.

[70] Referência a Ludwig Georg Friedrich Carl Hermann Riedesel e Friedrich Ludwig Karl Wilhelm Riedesel, barões de Eisenbach, orfãos de ambos os pais.

[71] Referência ao Barão von Gatzert, de Darmstadt, e ao Barão von Riedesel.

[72] A viagem apenas ocorreria a 28 de Março de 1796.

[73] Schelling talvez se refira a E. M. Zeender, cuja dissertação tinha por título De notione et generibus Scepticismi et bodierna praesertim ejus ratione, Bernae, 1795.

[74] Johann Christian von Pfister (1772-1835), colega de Schelling no Stift de Tübingen.

[75] Por esta altura, pouco tempo transcorrera desde o segundo dos referidos três encontros entre Schelling e Hölderlin, em meados de Dezembro de 1795. O terceiro e final encontro ocorreria em Abril de 1796, não fora do âmbito teórico, mas já fora do âmbito físico desta seleção da correspondência dos três colegas.

[76] A segunda parte das Philosophische Briefe (Cartas 5-10), concluíra-a Schelling bipartidamente: as primeiras três entre Setembro e Novembro de 1795; as três últimas até Março de 1796. A Niethammer, nesta ocasião, entregaria Schelling por certo uma versão provisória desta segunda parte. A versão final desta seria publicada no Philosophisches Journal em Abril de 1796.

[77] Cf. Nota 18.

[78] Não chegaria a concretizar-se.

[79] Não chegaria a concretizar-se.

[80] Porventura o já referido «De Marcione».

[81] O objectivo, aliás, não era recente em Hölderlin, e tivera origem num pedido de contributo para o Philosophisches Journal, por parte do seu amigo F. I. Niethammer. Cf. Carta a Neuffer, de 10 de Outubro de 1794.

[82] Referência ao segundo encontro entre Hölderlin e Schelling.

[83] Cartas que Schelling, como já vimos, publicaria no Philosophisches Journal, mas que Hölderlin nunca viria a publicar. Um fragmento destas, porém, encontra-se no pequeno texto «Fragment Philosophischer Briefe», datado do fim de 1796 (FHA, 14, 21-39).